Saída da Ford expõe falta de planejamento futuro

“Como será amanhã? Responda quem puder. O que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser”. Os versos da canção Amanhã, imortalizada na voz de Simone, ilustram bem os pensamentos de parte da população da região que tira da cadeia automobilística o sustento de suas vidas.

Esta semana, foi sintomática a surpresa do prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, com a decisão da Ford em encerrar atividades e deixar a cidade. A questão é que simplesmente não havia o que pudesse ser feito para evitar a saída da empresa, era uma decisão tomada e sacramentada com a matriz nos Estados Unidos – diferente da GM que usou a ameaça para conseguir mais benefícios. Restou ao governador João Dória o papel de corretor de imóveis para buscar um comprador e tentar salvar os empregos (e impostos) que correm risco de extinção. Um parêntese: mais de 20 mil pessoas afetadas, de forma direta e indireta podem perder seus empregos. Ou seja: uma verdadeira catástrofe.

O fato resulta da combinação entre um mundo cada vez menos simpático ao carro com falta de recursos causados pela massiva desvalorização salarial (e cambial) que atinge boa parte do potencial mercado consumidor, fazendo com que a indústria automobilística entre em xeque em todo o planeta.

No Brasil, ainda há a somatória entre a falta de iniciativas criativas por parte da classe política e a estagnação tecnológica que faz o custo de produção ser um dos maiores do planeta. Focando no ABC ainda há a acomodação centrada na aposta de que as empresas aqui estabelecidas nunca iriam embora – como se já não houvesse plantas automotivas em outros estados (e países, com a globalização).

Há anos, neste mesmo espaço, defendemos que os governantes regionais trabalhassem em uma alternativa para a economia regional. Até a mais desajeitada divisória do mais irrelevante departamento sabe que hoje a tecnologia é o mercado que mais cresce no mundo, que as pessoas tendem a sair de casa cada vez menos e que a indústria automobilística como conhecemos está a caminho do fim. E isso já tem mais de uma década.

Enquanto no dito primeiro mundo se discute a possibilidade da comercialização de veículos como serviço, trocando o conceito de propriedade pelo de posse transitória via cobrança de assinatura, os governos daqui buscam meios de inquirir condutores de placas de outros estados (inclusive de carros locados) para aumentar em alguns centavos a arrecadação com o IPVA que, aliás, é um dos impostos mais cretinos (e lucrativos) já criados, em uma patética mostra de falta de visão de mundo.

A solução para isso foi exposta inúmeras vezes ao longo dos anos por meio de cabeças pensantes da nossa região, como o empresário Marcelo Menato. Todavia, faltou que estas privilegiadas mentes e suas ideias relevantes para o desenvolvimento fossem devidamente ouvidas.

Agora, resta cobrar dos governantes uma ação imediata sob pena de perda de mais empresas e da pujança que outrora fez do ABC motor do crescimento do país. Caso contrário, seremos como um carro de luxo enguiçado na garagem: muito bonito, mas sem nenhuma serventia. Ou pior: um conglomerado de cidades fantasmas como Detroit – não por acaso a antiga “capital mundial do automóvel” e cidade natal da Ford.

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