Pedestres X Motoristas: uma relação em completa desarmonia

Rua Olímpia Cata Preta, Ribeirão Pires, dia 19 de maio, 10 horas da manhã. Um garoto de 11 anos vai atravessar a rua para pegar uma van escolar e é atropelado por um taxista que descia a via. A criança sofreu fratura exposta na perna, passou por uma cirurgia e felizmente está bem. Na hora do acidente, busca-se por culpados. Cada caso é um caso, mas sabe-se que a relação entre pedestres e motoristas não tem sido nada harmoniosa. Em um estudo feito pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), 76,8% dos motoristas entrevistados disseram que respeitam a prioridade dos pedestres e param nos cruzamentos para esperar a travessia. Mas a realidade constatada não foi bem essa. Momentos antes, 89,6% do total desses mesmos condutores se comportaram de maneira oposta e haviam cometido infrações que colocaram em risco os pedestres na faixa. Foram registradas 675 situações em que houve “conflito” entre os pedestres e os automóveis em movimentados cruzamentos do centro da capital paulista.

Cidades estão criando projetos que visam garantir que a travessia do pedestre seja feita com a máxima segurança

“Mesmo quando o semáforo abre para os pedestres, eu não atravesso de imediato, porque muitas vezes, motoristas e motociclistas avançam o sinal”, fala Rozely Aparecida de Oliveira Silva.

Mas também há os pedestres que não usam com cautela o direito de ir e vir. Para ganhar tempo, atravessam fora da faixa; descem do transporte coletivo e, ao invés de se dirigirem para a traseira do veículo para ter visibilidade de quem vem vindo, vão até a frente e atravessam correndo o risco de serem pegos, principalmente por motocicletas, pois, mesmo com o trânsito parado, os motoqueiros trafegam por entre os carros, e assim por diante.

A relação entre pedestres e motoristas é realmente conturbada. “Tanto um como o outro deixa falhas na interpretação de seus direitos e seus deveres. O condutor, quando ele está dirigindo, esquece que já foi pedestre ou que é pedestre, então, não respeita as paradas que pode fazer. Tem ocasiões que ele realmente não pode parar para atender a demanda de uma travessia, mas ele não dirige prestando atenção na evolução do pedestre, como o pedestre está se comportando na calçada. O pedestre invade a rua porque a maioria dos condutores não se preocupa em diminuir a velocidade para que os de trás também diminuam e ele possa fazer a parada. Todo mundo acha que ligou o motor deve andar só pra frente, essa é a tônica que a gente sente no condutor hoje, embora sejam todos treinados, passaram por curso de qualificação. Nenhum condutor hoje pode pecar por desconhecimento. De 2005 pra cá, todos foram reciclados, ou porque perderam a CNH por pontuação, ou porque ao renovar sua CNH tiveram que passar pelo processo”, fala Samuel Nunes, consultor, agente e instrutor de trânsito. Há 11 anos atuando nas ruas de Ribeirão Pires, ele também faz uma avaliação do comportamento dos pedestres. “Embora no Código de Trânsito esteja elencado que a prioridade é a proteção à vida e existem artigos que prioriza que o condutor realmente respeite o pedestre, eles (pedestres) puseram na cabeça que são senhores absolutos, e na realidade não são. Eles têm que atravessar nos locais compatíveis, ou quando não houver faixa de travessia de pedestres, usar as esquinas, porque nelas você está sendo visto e vendo as duas vias que se cruzam”, explica Samuel.

Segundo a Prefeitura de Ribeirão Pires, os pontos de maior incidência de acidentes de trânsito, por conta do tráfego intenso de veículos, são três vias arteriais da área central:

Avenida Francisco Monteiro, Avenida Brasil e Avenida Humberto de Campos. “Durante todo o ano, a Secretaria de Transporte e Trânsito de Ribeirão Pires realiza ações de educação no trânsito, por meio de palestras em escolas e distribuição de folhetos de orientação para motoristas e pedestres. Além disso, trabalha constantemente para promover melhorias na sinalização vertical e horizontal, como forma de reduzir os índices de acidente de trânsito”, informou o Executivo.

Projetos educacionais – No Grande ABC, 1.830 pessoas foram atropeladas em 2010, segundo a Polícia Militar. Deste total, 86 foram vítimas fatais. Como maneira de fazer das ruas um local de paz e não de guerra para o trânsito, cidades estão adotando algumas medidas. No último dia 11, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD) anunciou um programa que cria onze Zonas Máximas de Proteção ao Pedestre (ZMPP). Além de sinalização específica, os locais terão reforço de agentes de trânsito para garantir que motos e carros não invadam as faixas de pedestre durante a travessia das pessoas. Orientadores de tráfego também usarão bandeiras para sinalizar que os veículos devem parar.

Na semana passada, São Caetano criou o “Faixa Segura”, também para conscientizar o respeito às faixas. São Bernardo do Campo manifestou intenção de implementar projeto semelhante.

Em Ribeirão Pires, o presidente da Câmara, Gerson Constantino também quer fazer gestão nesse sentido. “Estou com um projeto em elaboração na Jurídica da Casa, uma campanha para educar tanto os pedestres, quanto os motoristas, por meio de panfletos, orientação pessoal dos agentes de trânsito… Isso já vem comigo desde que fui a Campos do Jordão, há cerca de um ano e voltei com esse desejo. Lá, basta colocar o pé na rua que os motoristas param, isso faz parte do dia deles. Eu já tive cidadão buzinado atrás porque parei para uma cidadã portadora de deficiência física atravessar a faixa perto do supermercado Extra. E quando eu parei para que ela passasse, uma situação extremamente perigosa: um carro passou ao lado e quase atropelou a cidadã”, conta o parlamentar.

“Essa seria uma atividade conjunta, conscientizar tanto o motorista quanto o pedestre. Todo aquele que não obedece a sinalização de trânsito acaba virando estatística”, fala o secretário de Transporte e Trânsito, José Vicente de Almeida Moraes.

O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC pretende estender o projeto de travessias seguras em todos os municípios da região. O Grupo de Trabalho de Mobilidade Urbana deverá apresentar o tema na próxima assembleia geral entre os prefeitos, que será realizada no início de junho.

Cada um fazendo a sua parte – Campanhas para estimular a educação no trânsito são bem vindas, investimentos do Poder Público nessa questão também, mas para o agente de trânsito Samuel, nada disso basta se a vontade por um trânsito melhor não partir de cada um. “Não é só o Poder Público colocar obstáculos ou investir pesado em sinalização. O principal de tudo seria quem atua na área da Educação abrir mais espaço junto às comunidades e ter uma participação mais ativa começando pelas escolas, desde o primário, aquele trabalho de conscientização. Em alguns países, é colocar o pé na rua, o condutor para, porque as pessoas foram treinadas pra isso. Aos mais adultos, como esse universo já está formado, tem que ir ao encontro deles, levar esse trabalho em igrejas, pastorais, sindicatos, clubes de serviços… Se nós não aprendermos a olhar para dentro de nós mesmos, eu posso colocar a melhor sinalização do mundo, o pedestre e o motorista vão continuar como estão”.

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