O Brasil realmente precisa liberar as armas?

Pesquisa realizada pelo Instituto Sou da Paz com o uso de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostra que a venda de armas de fogo no Brasil tem aumentado de forma substancial nos últimos anos. O levantamento aponta que, apenas até 22 de agosto deste ano, foram vendidas 34.731 armas, quase seis armas por hora em média, o que, em progressão matemática, leva a uma projeção superior as 47 mil vendas de 2017.

Se pegarmos os números de 2004, quando o Estatuto do Desarmamento efetivamente vigorou, a conta impressiona ainda mais, já que no ano inicial da regulamentação foram pouco mais de 3 mil armas registradas no Brasil e no ano passado mais de 57 mil. No total, hoje, cerca de 620 mil brasileiros estão oficialmente armados.

Agora engana-se quem pensa que este número seja de grande valia para a indústria bélica. Muito pelo contrário: o Brasil é o segundo maior fabricante de armas leves do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e Itália, tendo exportado (estima-se) 700 milhões de dólares no ano passado. A parte ruim é que, sem o Congresso ratificar a assinatura do Tratado de Comércio de Armas, de iniciativa da ONU, que versa sobre a venda responsável e tramita na casa desde 2013, o país fica à beira da irresponsabilidade com armamentos “Made in Brasil” alimentando ditadores e criminosos ao redor do planeta, já que isso coloca o país no ranking dos menos transparentes neste setor.

Voltando às pessoas físicas, atualmente, para ter uma arma de fogo, é necessário cumprir uma série de exigências determinadas pelo Estatuto do Desarmamento de 2003, como ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, além de comprovar capacidade técnica e psicológica a cada cinco anos. Ainda é preciso justificar a efetiva necessidade da posse do armamento à Polícia Federal, responsável por conceder a licença sendo que para coleção, caça ou tiro esportivo, a autorização vem do Exército, além, claro, das taxas necessárias a cada etapa e o valor da arma propriamente dita.

Ou seja: é muito caro ter uma arma, seja para defesa ou recreação. Aí entramos em outra seara: as armas ilegais que abastecem tanto o mercado clandestino quanto o do crime organizado, com equipamentos oriundos do Uruguai, principalmente, e a “conivência” de agentes policiais que atuam à margem da lei. Estima-se que haja mais de 10 milhões de armas nessa situação. E é exatamente esse dado que fortalece o fantasioso discurso da “Bancada da Bala”.

Fantasioso porque não é preciso mais de dois neurônios para saber que em caso de assaltos, por exemplo, o tempo hábil para um contra-ataque armado será bem limitado a ponto de tornar simples assaltos em latrocínios. Um colaborador antigo deste jornal que passou pela experiência de ser baleado conta que sequer teve tempo de esboçar reação. E tem certeza de que uma arma poderia ter piorado a situação a ponto de não ter sobrevivido para contar a história.

Colocar armas nas mãos de pessoas em sua maioria destreinadas tende a apenas aumentar o número de tragédias decorrentes de desentendimentos corriqueiros, como discussões de bar e brigas de trânsito, pela facilidade em contar com um armamento à mão. Ou seja: além de nos preocuparmos com os bandidos de fato ainda teremos que nos atentar aos bandidos em potencial – algo que, nos tempos atuais inegavelmente ganha contornos assustadores. A liberação, caso de fato seja aventada, deve ser discutida de forma séria e ponderada, sob risco de patrocinarmos tragédias similares às de um não tão distante passado.

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