Jornalismo não foi feito para agradar

Ainda que no Brasil as leis nem sempre sejam cumpridas à risca, a legislação eleitoral costuma ser cruel aos que não a respeitam – que o digam as centenas de candidatos impugnados em todos os pleitos. Ontem, o assunto do dia foi a denúncia veiculada pela Folha de São Paulo de que empresários bancaram pacotes de disseminação de notícias via WhatsApp no valor de R$ 12 milhões para a divulgação de notícias (em sua maioria falsas) contrárias aos rivais do candidato do PSL, Jair Bolsonaro.

Tal montante viola ao menos três dispositivos legais: a proibição de doações por parte de empresas, abuso de poder econômico e, principalmente a não contabilização entre as doações recebidas na campanha, caracterizando Caixa 2. Ou seja: independente de questão (ou orientação) eleitoral, temos um fato que desequilibra o pleito e coloca a lisura da campanha eleitoral em xeque.

Mais do que isso, traz à tona mais uma vez a discussão sobre o papel da imprensa na sociedade e a praga das notícias falsas (as famigeradas fake news) que, da ingenuidade de fatos que colaboraram para construir a mitologia em torno de artistas como a suposta morte de Paul McCartney em 1966, Michael Jackson dormindo em uma câmara hiperbárica, a morte forjada de Elvis Presley ou ainda a perna mecânica de Roberto Carlos, de alguns anos para cá, em fenômeno potencializado pela massificação e poder de sedução da Internet, a situação piorou sobremaneira a ponto de sites sem o menor cuidado com a língua portuguesa tornarem-se fontes “fiáveis” na tentativa de desmentir trabalhos sérios e apurações detalhadas feitas por quem, de fato, é habilitado para apurar e transmitir notícias: os jornalistas.

É impossível imaginar como seria a história da humanidade sem, por exemplo, o Watergate. Ou a história do Brasil sem o Caso Collor ou sem os corajosos profissionais que, mesmo colocando sua vida em risco, apuraram os malfeitos que a Ditadura tentou maquiar. Há hoje uma negação ao jornalismo quando o fato não agrada o leitor. Até mesmo no caso citado na abertura deste texto, a jornalista além de ter tido sua isenção colocada em xeque por fãs (não há outra definição possível) do candidato à presidência do PSL com ilações sobre uma suposta filiação partidária ao partido que lhe faz oposição (o que, de maneira alguma desmerece o trabalho realizado) ainda sofreu ameaças de morte. Ou seja: a mesma censura que vinha dos militares, agora em versão patrulheira digital civil.

Vamos colocar aqui de uma forma direta: notícia demanda apuração de fatos, consulta de fontes, trabalho de campo, telefonemas, cultivo de fontes confiáveis para dizer apenas algumas coisas. Escrever uma redação com um ponto de vista parcial e que agrade certo grupo nem de longe chega perto do real trabalho jornalístico – até porque um profissional da imprensa tem que se atentar a diversas regras para trabalhar que podem inclusive custar impagáveis multas. Por isso, não há que se colocar em xeque o trabalho jornalístico sério – o mesmo já não se aplica aos inúmeros sites de fake news. Jornalista não é mitômano. É profissional sério, gabaritado e capacitado a transmitir informações verdadeiras e confiáveis.

Como diz a velha frase: jornalismo não foi feito para agradar quem quer que seja, mas sim para informar a população. O resto é publicidade. Ou fofoca.

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