Jair Bolsonaro está errado no que pensa

“Continua sendo muito difícil ser patrão no Brasil”. Esta declaração, emitida pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, mostra como o brasileiro está confuso em relação aos direitos e obrigações das relações de trabalho. Ainda que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) original tenha completado 75 anos no último dia 1º de maio, ela está longe de ser considerada antiquada, ainda mais tendo em vista que sofreu diversas alterações ao longo do tempo para refletir as novas formas e métodos de trabalho.

Se originalmente, se baseava em um país em que o trabalho era majoritariamente agrícola, hoje já temos novas formas impensáveis na sua origem, como o teletrabalho (trabalho remoto), por exemplo. Mas seu âmago, seu cerne, que é evitar abusos e impor limites, prossegue.

A CLT, por exemplo, determina que o período mínimo entre jornadas seja de 11 horas consecutivas, evitando situações de escravidão como o impedimento do trabalhador retornar ao seu lar. Lá também está estabelecida a folga semanal que, salvo necessidade imperiosa do tipo de trabalho, deve ser (ao menos em parte) aos domingos. Da mesma forma, está estabelecida a hora de almoço e também o salário mínimo que, de acordo com o artigo 76, deve ser “capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte” – ainda que tenhamos ciência de que o valor pago por ele hoje é insuficiente para tal, mas essa é outra discussão.

A presença da lei é importante porque estamos em um país onde o emprego não é respeitado. Sentimento esse endossado com a constatação de que não faltam notícias de regimes escravocratas pelo país a serviço até mesmo de empresas grandes e conceituadas no mercado.

Ocorre que, no Brasil, a relação de compra e venda de trabalho não é vista como parceria. Pelo contrário, empresários veem as regras do jogo (que estão à mesa e são claras, só joga quem quer) como um empecilho ao próprio crescimento. O funcionário não é visto como um meio de crescimento, mas um mal necessário. Da mesma forma, o trabalhador vê o empresário como uma espécie de crápula que só visa o lucro e não se importa com seu bem-estar ou crescimento pessoal, o que mostra que algo está muito errado.

A solução para isso passa por um pacto laboral envolvendo todas as partes, com o fortalecimento dos sindicatos de patrões e empregados por meio de regras mais claras (e rígidas para seu funcionamento) bem como uma discussão real de como o trabalho pode contribuir para o crescimento do país. Ataques mútuos das partes não vão resolver as relações, pelo contrário, fará o ambiente ainda pior para o mercado de trabalho no Brasil e irão atrasar ainda mais a retomada do crescimento, lembrando sempre do óbvio: a venda da força de trabalho gera os recursos para quem vai consumir e, consequentemente, aquecer o mercado.

Desta forma, é seguro dizer que Bolsonaro está errado no que diz e pensa. A frase correta seria “Continua sendo muito difícil trabalhar no Brasil”. Alguém duvida disso?

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