Pela agilidade que ela proporciona, cada dia mais pessoas tem preferido a motocicleta como meio de transporte. Passa em qualquer cantinho, dribla o maior dos congestionamentos.
Porém, muitas vezes, toda essa eficiência não é bem aproveitada e o abuso sob duas rodas torna o
que era sinônimo de praticidade em acidente. Edílson de Souza Lima, 33 anos, sabe dos riscos da imprudência, por isso, trafega com cautela, mas conta que a maioria dos motociclistas não age da mesma forma:
“Certa vez um motoqueiro passou do meu lado, deu um tapa no meu capacete e falou para eu sair da frente. Eles querem correr e se você andar devagar, eles vem para cima”.
O número de motociclistas acidentados tem crescido assustadoramente.
Em Ribeirão Pires, por exemplo, o Hospital e Maternidade São Lucas prestou, em 2009, 161 atendimentos a pacientes que sofreram acidente de moto. Em 2010, até o dia 24 de junho, foram prestados 82 atendimentos. Diante dos constantes acidentes envolvendo motociclistas, o Instituto de Ortopedia do Hospital das Cínicas da FMUSP (IOT), ligado à Secretaria de Estado da Saúde, traçou um perfil desses pacientes que foram internados na unidade. Durante seis meses (de 12/05/09 à 12/11/09), dos 255 acidentados de moto atendidos no IOT, 84 precisaram de internação e, destes, 54% tiveram fratura exposta.
A média foi de 18 dias de internação, sendo que 14% dos pacientes, após a alta médica, precisaram ser reinternados. Dos pacientes acompanhados, 12% tiveram lesões neurológicas periféricas.
Segundo o ortopedista Marcelo Rosa, coordenador do estudo, além da ocupação de diversos leitos, a internação dos 84 pacientes representou um custo de, aproximadamente,
R$ 3 milhões à instituição.
Outra constatação apontada pelo levantamento é que, apesar dos homens continuarem a ser a maioria dos envolvidos em acidentes, o porcentual de mulheres internadas chegou a 10%. “É o dobro do verifi –
cado em estudos anteriores”, disse Rosa.
O estudo constatou também que grande parte dos motociclistas usa a moto apenas como meio de transporte: 67% dos pacientes, contra 64% que disseram possuir vínculo empregatício.
Dos 84 motociclistas internados, avaliados na pesquisa, 45% afirmaram nunca terem sofrido acidente de trânsito. Para o ortopedista, o fato de, anteriormente, nunca terem se acidentado faz com que se sintam onipotentes. A maioria dos acidentes ocorreu em colisões com carro e mais de 70% dos acidentados disseram conhecer as leis de trânsito e não terem sido imprudentes. Sessenta
e seis por cento dos acidentes aconteceram no horário comercial e
71% dos envolvidos são jovens no auge da produtividade.
Edcarlos da Silva, 27 anos, já passou por situações difíceis sob duas rodas. A última aconteceu no final de abril, quando voltava do trabalho.
“Eu estava transitando na faixa da direita, o trânsito estava praticamente parado, mas de repente, um carro que estava na faixa da esquerda quis entrar na faixa onde eu estava. Não consegui parar e bati na lateral dele. O próprio motorista do carro reconheceu a culpa, pois além de tentar mudar de faixa de forma brusca, não sinalizou e chegou até a dizer que nem sequer olhou no retrovisor porque estava atrasado para buscar a filha no colégio”, conta. A colisão lhe rendeu uma fratura em um dedo do pé.
O idealizador e gestor do projeto Sobrevivência no Trânsito, Luiz Roberto M. C. Cotti, acredita que o respeito e entendimento entre motociclistas e motoristas é coisa rara. “Se por um lado o motociclista raramente assume a condição de motorista, desconhecendo como o automóvel reage às ações de seu condutor; por outro lado o motorista também desconhece como a moto reage às ações do motociclista. Então, ambos tendem a pensar que o outro vai agir da mesma forma que ele e não é o que acontece. As acelerações são diferentes. As distâncias de frenagem são diferentes. Os pontos cegos diferem. A manobrabilidade nem se fala. Os espaços necessários à uma ação evasiva são bem diferentes. E outras tantas. Entender e respeitar estas e outras diferenças é um bom começo”, diz ele.
Para o coordenador do levantamento, Marcelo Rosa, os acidentes de moto, hoje, devem ser vistos como uma epidemia. “É necessária uma ampla mobilização, envolvendo a sociedade civil, autoridades e, inclusive, as fabricantes de motocicletas”.
Dr. Mauro Poderoso, médico filiado à Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), faz coro. “Esses acidentes demonstram de forma quantitativa um fato social preocupante da rotina de acidentados e com consequencias não só físicas, mas social. A reversão deste quadro só se dará com medidas agudas, como a normatização deste tipo de veículo junto aos demais; cursos rotineiros de postura nas vias e demonstrar a esses condutores que a motocicleta, além de ser um meio de deslocamento para lazer e trabalho, poderá ser uma ‘arma’contra si mesmo”. Cotti também compartilha da opinião e completa dizendo que os acidentes de trânsito, não somente os que envolvem motos, devem ser encarados e tratados como um problema de saúde pública. “Esta é uma preocupação mundial. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) em estudos recentes revelou que os acidentes de trânsito são responsáveis pela perda de 1,2 milhões de vidas por ano, ou seja, 2 mortes por minuto! Além disso, concluiu que se mantida a tendência de crescimento dos últimos anos, em 2020 as mortes e lesões incapacitantes ocasionadas pelos acidentes de trânsito crescerão 60% e se tornarão a terceira causa de mortalidade e traumatismos, ficando à frente de outros problemas de saúde como a malária, tuberculose e a AIDS.
Acredito que a melhor maneira (de reverter o quadro) seja a implementação de leis e normas atuais mais rígidas, acompanhada das devidas fiscalizações e efetivas punições; e a implantação de currículo escolar com matérias interdisciplinares sobre educação cidadã e segurança viária. Desta forma, creio eu que não estaríamos somente apagando incêndios, mas também criando e educando os futuros motoristas, motociclistas e pedestres. Uma missão nada fácil e que levaria de 15 a 20 anos para estabelecer-se”, finalizou.