Pejotização do mercado de trabalho: um risco para o país

Uma discussão que corria nas sombras e ganhou à luz é a questão da flexibilização dos direitos trabalhistas, velha queixa do empresariado que, volta e meia, é usada como argumento para justificar desde os altos preços cobrados até a baixa na oferta de vagas de trabalho. O alvo das críticas é a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que, em muitos aspectos é celebrada como uma das melhores do planeta, regendo direitos e deveres de empregados e empregadores com uma série de regras que evitam abusos de ambas as partes.

Entretanto, o empresariado reclama – com certa razão – das taxas e impostos que a relação empregatícia gera e que podem até mesmo dobrar o custo de um funcionário. Por isso, há muito tempo cobram por uma revisão para que suas despesas sejam mais compatíveis “com o que se pratica no resto do mundo”. A situação ficou ainda mais grave nos últimos anos, com a grande concorrência imposta pela China, que vende produtos mais baratos em todos os países fazendo uso, muitas vezes, de artifícios ilegais como o regime de semiescravidão imposto aos operários, em especial os que advêm de camadas menos abastadas.

“O mundo dos sonhos” para boa parte do empresariado do Brasil é esse: pagar pouco, lucrar muito e se livrar de obrigações trabalhistas. Nesta semana, o forte lobby da classe começou a trabalhar em prol da aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara o Projeto de Lei 4330/2004, que libera a contratação de Pessoas Jurídicas para atividades-fim das empresas, hoje vetada pelo Tribunal Superior do Trabalho através da Súmula 331. Trata-se de um projeto que praticamente legaliza a figura do funcionário “travestido” de Pessoa Jurídica e desobriga as empresas de quaisquer responsabilidades para com eles, já estariam sujeitos a um regime totalmente diverso da CLT.

Grosso modo, esta nova lei beneficiaria apenas as empresas que poderiam assim atuar com 100% de funcionários terceirizados, driblando a legislação e se isentando do pagamento de benefícios como vale-transporte, plano de carreira, cesta básica e auxílio-creche, além de obrigações como férias, 13º salário e licença-maternidade. Além disso, a nova regra praticamente anularia a função da Justiça do Trabalho, já que as relações seriam, a rigor, extintas.

Isso posto, não é exagero dizer que seria criado um cenário apocalíptico no país, já que poderia causar o fim dos depósitos no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o consequente colapso do governo, já que este dinheiro é usado tanto para habitação popular pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), além de saneamento básico e infraestrutura FI-FGTS. Até mesmo planos de saúde e agências de viagem poderiam entrar em colapso, já que as operadoras têm nas empresas e funcionários em férias (que não vão mais existir) seus grandes clientes, respectivamente. Isso sem falar na insegurança das famílias, já que os que estão seguros poderão se ver obrigados a pedir demissão para se adequarem ao regime, de extrema vantagem à empresa e nenhuma ao empregado.

Pois bem, o sem-número de prejuízos que a “pejotização” do mercado de trabalho traria certamente não compensaria a mudança. Vale lembrar que há uma série de empresas que já o fazem e tem sido seguidamente derrotadas judicialmente, uma vez que tal regime empregatício é irregular. É inegável e necessária a modernização das relações, mas não a qualquer preço e fazendo com que a balança penda para apenas um lado.

Pejotização do mercado de trabalho: um risco para o país

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