O fim do ditador sem partido

Na última terça, o Brasil chorou a morte de seu grande líder, seu grande ditador, um canalha da pior espécie, daqueles que arrancam sangue inocente sem dar um tiro sequer. Morreu Jean-Marie Faustin Goedefroid Havelange, ou simplesmente João Havelange, brasileiro que presidiu a FIFA por 24 anos e mostrou, para o bem e para mal, quanto a paixão das massas pode ser usada em benefício próprio.

Advogado, ex-jogador de futebol (que dizem deixou de praticar para não se misturar aos jovens “mulatos” da periferia carioca) e ex-atleta olímpico de natação e polo, conhecia os dois lados da moeda esportiva: a prática e a política. Mas, mestre no segundo destes lados, usou seu conhecimento com precisão ímpar para atingir seus objetivos. Em 1956, se tornou presidente da CBD, espécie de confederação geral de esportes. Ficou no cargo por 18 anos, até 1974, período em que aprendeu a nobre arte da pilantragem, especializando-se em manipular ditadores e corruptos, sejam eles civis ou militares, oferecendo o que tinha de melhor: o poder do futebol em manipular massas – algo usado até hoje.

Basta lembrar do “Pra Frente Brasil”, marcha que embalou a conquista da Copa de 1970 e de discurso propositalmente nacionalista, feito para dar ao povo a impressão de que o Brasil, de fato, era o melhor do mundo em tudo, que o Milagre Econômico era verdadeiro e que o país seria, em poucos anos, uma potência capaz até mesmo de “tripolarizar” o poder ao lado de União Soviética e Estados Unidos. Ledo engano, a conta veio na década seguinte com a queda do regime, a hiperinflação e os sucessivos socorros do Fundo Monetário Internacional (FMI) que evitaram a completa e total falência do país pós-ditadura.

Após deixar a CBD sob comando do almirante Heleno Nunes, assumiu a FIFA usando o que aprendeu de melhor tratando com os “milicos” e inspirado em Adolf Hitler: afagar egos de ditadores de plantão usando o esporte. Prova disso é que, para se eleger presidente, “comprou” os votos de presidentes de federações de países periféricos da Ásia, África, Oceania e América. Em troca, criou campeonatos mundiais “a rodo” como forma de “pagar” favores, bem como dobrou a Copa do Mundo de tamanho, acondicionando seus aliados políticos.

A seguir, aliou-se a família Dassler, fundadora da eterna parceira da entidade Adidas, inventou o Marketing Esportivo de grande escala e transformou a FIFA na organização mais poderosa do mundo. Havelange se orgulhava em dizer que a entidade que comandava tinha mais filiados (e influência) do que a ONU. Paralelo a isso, desenvolveu elaborados esquemas de corrupção em escala mundial usando aquela já citada nobre arte da pilantragem que faz inveja a todo político corrupto. Para se ter uma noção, se aqui falamos de “mensalinhos”, “pixulecos” e pagamentos de IPVA de carros pessoais de vereadores com dinheiro público (como aconteceu na Câmara de Ribeirão Pires), Havelange lidava com pagamentos bilionários para sediar os tais mundiais, tráfico de armas com destino a (vejam só que coincidência) ditaduras africanas, o mais grave escândalo de tráfico de influência do Detran paulista que favoreceu a Viação Cometa e ajuda a um dos mais sanguinários militares da ditadura argentina entre outros que não caberiam nestas linhas.

Tudo isso sob honras e pompas de Chefe de Estado e sem ser filiado a qualquer partido político. Fato é que, no fim da vida, foi traído por um de seus maiores parceiros, Joseph Blatter e acabou por ver o ostracismo, talvez o pior castigo de uma vida repleta de pecados. Mas, como “os fins justificam os meios”, talvez o sofrimento não tenha sido tão grande já que diferente de José Maria Marin, não foi para a cadeia e manteve sua vida de luxos até o último dia. Mas, para o povo honesto, vale um alento: não há mal que perdure ou desonestidade que seja eterna. Descanse em paz, Havelange e leve toda a corrupção junto com você.

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