Embargo para inglês ver

Há quase dois séculos, um dos muitos povos europeus, os ingleses, aqui desembarcaram para mudar o Brasil. Desde sempre notórios por sua característica empreendedora (para usar um termo da moda), fizeram o país sair, literalmente, do tempo das carroças, aqui implantando, para falar o mínimo, as ferrovias, como a São Paulo Railway (a nossa velha conhecida Estrada de Ferro Santos-Jundiaí que, por consequência, inaugurou o transporte público de grande capacidade) e também o futebol, o mais brasileiro dos esportes.

Isso para não falar do chá das cinco (que aqui virou café da tarde), o pijama, os fraques, os ternos brancos e também da seriedade, pontualidade (quem não se lembra do antigo horário de trens, com composições que partiam em horários distintos como a famosa 12:57?) e a cobrança para o cumprimento rigoroso de prazos, algo que gerou inúmeras rusgas entre os brasileiros e os “misters”.

Foi justamente a partir deste fato que se originou a expressão que melhor ilustrou a tensão entre os povos, que se chama “para inglês ver” que, segundo notórios professores de linguística e história, vem de 7 de novembro de 1831 quando, para satisfazer a pressões britânicas pelo fim da escravatura, foi promulgada a Lei Feijó, que proibia o tráfico negreiro, punia severamente os “importadores” e declarava livres os escravos que ao Brasil chegassem. Fato é que a lei “não pegou”, já que o neo-delito prosseguiu por quase 20 anos, até ser promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, fazendo com que o texto se tornasse “letra morta”. Por isso, o comentário que se iniciou na Câmara dos Deputados e ganhou as ruas era de que o padre Diogo Antônio Feijó, então ministro, “fizera uma lei só para inglês ver”, já que os britânicos, do alto de sua disciplina, realmente acreditaram que o texto seria suficiente para acabar com a escravatura.

A expressão caiu no gosto do povo e é ainda usada em muitos casos. Para ilustrar, podemos citar o embargo das obras do Rodoanel promovido pela Prefeitura de Ribeirão Pires em fevereiro. Lá se vão dois meses e as obras continuam à todo vapor a ponto de a SPMar, responsável pela obra, ter sido autuada em quase R$ 1 milhão por ter suprimido árvores nativas sem a devida autorização. Ora, se estamos falando de uma obra de interesse público, vista como vital pelo Governo do Estado, será que tudo isso não foi conversado e negociado entre as partes previamente? Não é preciso ser nenhum gênio para saber que a empresa concessionária do serviço não daria “pontos sem nó”, visto que é um contrato de bilhões de reais que, certamente, não irá perder por mera marra ou não cumprimento de regras. Repetindo: tudo foi conversado, negociado e posto no papel e a empresa sabe exatamente o que está fazendo.

Só isso para justificar o fato de a SPMar ter solenemente ignorado o tal embargo e prosseguido com as obras, até porque há uma questão de lógica linear (algo raro na história da humanidade) envolvida: se a obra está embargada, deveria estar interrompida, portanto, as árvores não teriam sido cortadas e tampouco a multa recente teria sido aplicada. Desta feita, somente duas respostas cabem: ou o negociador da cidade não prestou atenção às reuniões, ou o tal embargo é “só para inglês (ou o eleitor) ver”.

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