Palmadas no centro da discussão: são válidas ou não na educação dos filhos?

O projeto de lei nº. 7672/10 que proíbe castigos corporais em crianças, apelidado de Lei da Palmada, tem sido motivo de polêmica e de ampla discussão desde que foi apresentado pelo governo federal. Segundo o PL, os pais e responsáveis que insistirem em castigos corporais ou tratamento cruel poderão até perder a guarda dos filhos. O projeto do governo foi elaborado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, a partir de discussões da Rede “Não Bata, Eduque” e do Simpósio Nacional sobre Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, realizado em 2009. Um dos argumentos utilizados no debate é que a violência cotidiana ensina as crianças a responderem com violência. Além disso, provoca traumas e gera mais problemas que benefícios.

Carlos Eduardo Zuma, psicólogo, Secretário Executivo do Noos – Instituto de Pesquisas Sistêmicas e Desenvolvimento de Redes Sociais, que faz parte da rede “Não Bata, Eduque”, concorda com a tese. “Inúmeras pesquisas demonstram que crianças que crescem recebendo castigos físicos ou corporais, assim como tratamentos humilhantes ou degradantes têm grandes possibilidades de terem seu desenvolvimento mental prejudicado, com efeitos diversos. Algumas crianças podem desenvolver um comportamento passivo, retraído, com dificuldades de estabelecer vínculos de confiança com outras pessoas, enquanto outras podem desenvolver um comportamento agressivo, hiperativo, ansioso, com prejuízos para sua capacidade cognitiva e de aprendizado. Além disso, quando os pais ‘perdem a cabeça’ e partem para o castigo corporal, estão ensinado aos seus filhos que é legítimo agredir quando se é contrariado ou quando a conversa não dá resultados. A consequência é uma sociedade individualista, agressiva e de grande intolerância”, fala ele.

A psicóloga Juliett Camelo Freitas não acredita que as palmadas podem interferir de maneira negativa no futuro da criança. “Afirmar que as palmadas podem interferir de maneira negativa no futuro da criança é um tanto que exagero, porém, cabe salientar que o bater de forma descontrolada pode trazer prejuízos psíquicos, físicos e comportamentais para a criança. Até porque no caso da obediência dos filhos aos pais, e a questão ‘dar uma palmada ou não no filho’, é de inteira responsabilidade e autoridade dos pais, sabendo-se que tudo em forma exagerada não faz bem, portanto cabe a estes a consciência do que é melhor aos filhos, sendo que, o amor, carinho e atenção são fatores que junto com o ato de disciplinar fazem dos filhos pessoas melhores. Lembrando que, o que determinará a propensão de acatar os conselhos dos pais é a relação existente entre eles e os filhos, independente de levar umas palmadas de vez em quando ou não”.

Interferência – Muitas pessoas dizem que a Lei é uma interferência do Estado na educação que cabe aos pais dar. Zuma diz que os pais são os responsáveis diretos pela educação e orientação de seus filhos, mas toda a sociedade também tem sua parcela de responsabilidade sobre o bem estar das crianças e é dever do Estado zelar pela integridade física e pela dignidade de todos os cidadãos, incluindo os pequenos. “É nesta fronteira entre as responsabilidades dos pais e do Estado que cabem as leis que protegem as crianças e que limitam as possibilidades dos pais. Os pais não são proprietários de seus filhos. Além disso, creio que a lei poderá incentivar a criatividade dos pais. Há alguns anos os professores podiam castigar fisicamente seus alunos. Hoje esta prática é considerada absurda. Se não permitimos que professores castiguem fisicamente seus alunos, porque acreditamos que é legítimo que pais o façam?”, indaga.

Opiniões – Yara Tropea, mãe do Pedro, de três anos, conta que nunca bateu em seu filho e nem pretende fazê-lo. “Bater parece primitivo demais em se tratando de uma pessoa, mesmo que criança. Denota a falta de capacidade que o pai tem de educar, explicar, ponderar, discutir e ensinar a argumentar. Assim como uma criança que aprende apanhando aprende que se ensina batendo, a que aprende com argumento aprende a argumentar”.

Mas nem todos se mostram favoráveis ao fim das ‘palmadas pedagógicas’. Pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que 54% dos brasileiros são contra o projeto. Cerca de 36% dos 10.905 entrevistados são a favor, e 10% não sabem. Ainda de acordo com o levantamento, 72% das pessoas ouvidas disseram ter sofrido castigos corporais quando crianças, sendo que em 16% dos casos isso era constante. As mães são as que mais batem e 69% admitiram isso, contra 44% dos pais.

Qual a melhor forma de educar? – O psicólogo Carlos Zuma reafirma que a melhor forma de educar uma criança não está no uso da força física. “É a partir do exemplo, da conversa, da explicação, do convencimento, da transmissão de valores, do incentivo à capacidade de reflexão e de crítica. O importante é que a criança possa associar seu comportamento a consequências. Castigos, como a retirada de um brinquedo ou a perda de privilégios, que sejam adequados à idade da criança e proporcional ao erro cometido são possíveis de serem utilizados”, fala ele, que acrescenta. “É também dever de toda a sociedade e, portanto, também do Estado, auxiliar às famílias a criarem seus filhos de forma adequada e em um contexto apropriado para seu pleno desenvolvimento. Portanto, temos que exigir do Estado que ofereça programas de apoio às famílias. Pais não nascem prontos e filhos não vêm com manual, portanto não é vergonha ou demérito esbarrar com o desconhecimento quanto a melhor forma de educar os filhos. O importante é reconhecer quando se está prestes a esbarrar nestes limites e ter a capacidade de pedir ajuda a profissionais ou à sua rede próxima. Sempre se tem ao redor pessoas que admiramos, como pais, e a quem podemos recorrer quando temos dificuldades neste papel”.

Para Juliett, não existe uma receita com regras especificas na forma de educar uma criança. “Depende do contexto em que ela está inserida, porém é preciso estar atento aos comportamentos dos filhos, e estabelecer regras, horários, limites, dialogar, passar tempo com qualidade com eles, dar atenção aos seus interesses e até mesmo brincar com elas, que é muito importante para o seu desenvolvimento”.