Por Danilo Meira, pós-graduando em Legislativo, Território e Gestão Democrática da Cidade pela Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo
Finda a Ditadura e estabelecida a Constituição Federal de 1988, que contou com a representação das mais diversas camadas sociais em sua elaboração, foi implantada a chamada Democracia Participativa no Brasil, marcando uma revolução em relação aos chamados Anos de Chumbo que foram marcados inclusive por uma Carta Magna outorgada.
Desta maneira, começando pelo estabelecimento formal do povo como detentor de todo poder de acordo com o postulado no parágrafo único do artigo 1º, mecanismos como o voto direto e secreto foram estabelecidos para que a política não ficasse restrita aos gabinetes de forma a fazer com que os eleitos, de fato, representem a vontade de todos os brasileiros.
Esse sistema foi originado do justo entendimento de que, sem a presença da população, todo o sistema democrático fica comprometido. É natural, desta forma, que existam maneiras de permitir ao povo que apresente seus projetos de lei. E é justamente nesse ponto que o sonho de algo próximo da utópica “perfeição democrática” acabou submerso em águas turvas.
Voltando no tempo, na Assembleia Constituinte houve a permissão para a apresentação de projetos de iniciativa popular desde que endossados por 30 mil assinaturas de eleitores. Como resultado, foram 122 propostas entregues ao Congresso Nacional reunindo um total de 12 milhões de endossos, abrangendo uma gama que passava por temas diversos, como a reforma agrária, aborto e ensino religioso, com algumas delas (parcial ou totalmente) aproveitadas pela Casa – algo absolutamente tangível.
Promulgada a Constituição, esta participação – verdade seja dita – foi severamente dificultada. Culpa do estabelecimento de restrições para apresentação de projetos que, se pensarmos nacionalmente, faz com tal ato beire o intangível. De acordo com o §2º do artigo 61, os projetos de lei de iniciativa popular devem ser subscritos “por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. Ou seja: para obtenção do tal 1%, são necessárias cerca de 1 milhão e 500 mil assinaturas divididas em ao menos cinco estados sendo que, em cada um deles, ao menos 0,3% dos eleitores devem deixar suas assinaturas. Nos municípios, não é menos difícil, tendo em vista que este número é de cinco por cento do eleitorado local.
Desta feita, não é surpresa que, em 32 anos, apenas 4 projetos de Iniciativa Popular tenham sido aprovados: a Lei 8930/94 que acresceu o homicídio qualificado a lista de crimes hediondos, a Lei 9840/99 que coibiu o crime de Compra de Votos, a Lei 11124/05 que estabeleceu o Fundo Nacional de Habitação Popular e, por fim, a mais recente delas, a Lei Complementar 135/10, a chamada Lei da Ficha Limpa. Há de se destacar que, mesmo tendo sido apresentados pelos eleitores, os textos ganharam “padrastos”: deputados que os reapresentaram como sendo autores, por conta da dificuldade para conferência de assinaturas – isso sem contar desfigurações que eles receberam durante a tramitação. Ou seja: a rigor, mesmo esses quatro projetos não podem ser colocados como sendo 100% de iniciativa popular.
Embora esse mecanismo seja interessante, acaba por não garantir de fato que a população seja ouvida. Pelo contrário, é muito difícil e trabalhoso que isso aconteça. E, olhando o funcionamento das casas legislativas com atenção, mesmo nos instrumentos em que o povo deve necessariamente participar, como Audiências Públicas, há uma série de empecilhos, como horários ruins de realização, dificuldade para acesso aos projetos, para inscrições e até mesmo para que suas palavras sejam levadas em consideração.
Ironicamente, vários dos projetos de iniciativa popular que repousam nas gavetas do congresso versam justamente sobre mecanismos para facilitar a apresentação de projetos elaborados por populares que, na situação atual, dificilmente serão apreciados – seja pelas dificuldades para a checagem dos pré-requisitos ou até mesmo pela pura e simples falta de vontade política para que esta situação seja diferente.
A solução para a atual crise dos 30 anos de nosso modelo democrático passa pela discussão de todos os meios de participação popular. Um caminho interessante é o que vem sendo apresentado pela Câmara Municipal de São Paulo, maior do Brasil e uma das maiores do mundo, que vem implantando a tecnologia com sucesso em várias etapas do processo legislativo mostrando que é possível – e necessário – fazer melhor uso da tecnologia, aproximando ainda mais as casas legislativas do cidadão e fazendo com que, de fato, o artigo mais importante que está na abertura de nossa Constituição seja respeitado. Afinal, se todo poder emana do povo, a ele também deve servir.