No mês passado, o Educa Mais trouxe em sua capa uma matéria sobre bullying, atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo e que vem sendo notícia constante nos meios de comunicação. Mas, infelizmente, a violência não para por aí. Também tem sido cada vez mais comuns notícias sobre agressões aos profissionais da educação, aqueles à quem os estudantes deveriam ter gratidão pelos ensinamentos passados. Segundo um estudo feito pela UDEMO (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo), em 2008, 86% dos profissionais da área já sofreram algum tipo de violência.
O problema foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do advogado Luiz Henrique Watanabe, de São Bernardo do Campo, no curso de pós-graduação voltado à Política e Estratégia, escolhido como um dos melhores do Estado e já apresentado em várias entidades.
Além de acompanhar casos no noticiário, Luiz Henrique conviveu com os fatos contados por seus pais, que são diretores escolares. “Passei a questão para o grupo e eles aceitaram que a gente falasse sobre segurança nas escolas que, ao nosso entender, é um dos principais problemas que envolve a Educação. A gente atribui os problemas à falta de incentivo, de investimento, mas de fato, o problema é maior e está relacionado à questão da segurança. Então, a gente foi investigar e constatou realmente que a segurança nas escolas é um problema muito sério e que impede, muitas vezes, o profissional de dar aula e, assim, ele não atinge o objetivo”, conta.
O grupo fez, durante três meses, um levantamento em todas as escolas da região metropolitana do Estado de São Paulo, com maior ênfase nas instituições de ensino do Grande ABC. Ao longo da pesquisa, percebeu-se que o crescimento urbano desordenado, aliado à desigualdade social alimenta ainda mais a difícil situação da segurança no ambiente escolar. “As crianças de bairros mais isolados têm uma exposição maior à criminalidade, quem cresce vendo o bandido se dar bem são os jovens da periferia. Tendo família desestruturada a criança já fica vulnerável. Isso todo mundo já sabe, mas de certa forma, fecha os olhos, ou evita isso a fundo. As escolas não estão preparadas para lidar com o criminoso e a criminalidade está instalada nas escolas, sobretudo nas escolas nos bairros mais distantes do centro. Muitas vezes o aluno é o irmão mais novo de um traficante, ou um menino que trabalha para o tráfico, ou mesmo um consumidor que quer revender, enfim, de uma maneira ou de outra tem ligação com uma estrutura maior e essa estrutura dá força para ele dentro da escola, de modo que os professores se sentem completamente intimidados a atuar”
Grande parte das vítimas, por medo de represálias, mão registra Boletim de Ocorrência das agressões sofridas, que vão desde pneu do carro furado e veículo riscado, à ameaças e agressões físicas. “Eles se sentem intimidados e com toda razão. Profissional da Educação é feito para cuidar de aluno, tem treinamento pedagógico para lidar com questão pedagógica, agora, lidar com aluno que chega na escola armado, sem ter nada a perder, é outro papo. A criminalidade se instala nas escolas e, junto à ela, a queda no rendimento escolar, o professor não tem jeito de trabalhar”, fala Luiz Henrique.
Ele conta um caso constatado no período da pesquisa que fez para a elaboração do TCC. “Visitamos uma escola e, por acaso, tinha um professor com uma marca de mão na face. Um policial que estava acompanhando a gente abordou o professor para perguntar o que aconteceu, e ele respondeu que não havia acontecido nada. O policial insistiu, falou que podia confiar nele e o professor respondeu: ‘Policial, eu confio muito no senhor, respeito a sua corporação, mas o senhor não está aqui o tempo inteiro para me defender, então, não aconteceu nada’”.
O que trava a solução do problema – Uma série de fatores trava medidas para combater o problema. “A polícia, embora saiba disso, também encontra muita dificuldade para agir; uma pela estrutura que ela tem, o efetivo policial não é suficiente, isso não só para questão escolar como para tudo. Encontra dificuldade também por parte da própria convivência da escola com a Secretaria de Educação e com a Secretaria de Segurança. Não falam a mesma língua em interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, pontua o autor do TCC.
O que pode mudar a situação – O grupo que desenvolveu o trabalho pesquisou o problema da segurança nas escolas no Brasil e no mundo e os tipos de ações que foram tomadas em algumas cidades estrangeiras, com resultado favorável. Três estratégias se mostraram aplicáveis para o combate a médio curto prazo. “Uma é a correta interpretação do ECA. Ele é uma ferramenta muito bacana, porém, a Secretaria de Educação tem uma interpretação e a de Segurança tem outra. O ECA estabelece algumas maneiras de os jovens serem abordados e o pessoal da Segurança interpreta ‘não posso fazer nada’, aí, os bandidos travestidos de jovens atuam em cima disso. A escola também fica insegura de tomar alguma atitude e depois o diretor ou o professor ser condenado por alguma coisa. Solução: OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério Público e a Associação de Magistrados falarem a mesma língua, fazerem um estudo, se for o caso, escrever uma cartilha com a correta interpretação, o que pode e o que não pode e isso e vai valer para todo mundo. Outra estratégia é o monitoramento por câmeras a partir de uma central, pois só a câmera, sem ter monitorado de maneira eficiente também não adianta. Esse monitoramento é feito por uma central, de modo que ela constata o que está acontecendo, não depende do diretor chamar a polícia para ir lá atuar. Então, aquele problema do medo de chamar, não vai ter mais. Serve também como prova do fato. E a outra medida é a instalação de um agente de segurança nas escolas. Seria um cargo novo, um profissional treinado, militar se fosse o caso, uma pessoa que saiba atuar contra criminoso e que vai inspirar os jovens de maneira positiva, vai servir de exemplo. Tudo isso não é um sonho inviável”.
Porém, para a realização desse desejo, também há entraves. “São necessárias mudanças estruturais. Precisa de projeto de lei estadual, que precisa ser aprovado, isso vai gerar custo, que não é tão elevado, mas é um custo. A questão das câmeras existe uma discussão que isso pode tirar a privacidade, mas é uma discussão que a sociedade precisa ter e só vai ter a hora que as pessoas souberem realmente do problema, que tem professor diariamente sendo ameaçado. Essas três estratégias, adotadas em conjunto, dão resultado”, afirma Luiz Henrique.
Para ele, a resolução do problema não está apenas à cargo dos poderes Legislativo e Executivo. A sociedade civil tem – e muita – responsabilidade nesta batalha. “A população gosta de apontar um vilão, que é sempre descaso dos governantes, corrupção da polícia e assim vai, mas é uma ação conjunta que a gente deve tomar. Primeiro, a sociedade saber de fato o que acontece e não se acovardar. Uma sociedade que sabe o que ela precisa vai cobrar dos seus governantes e da polícia, de maneira eficiente, esses resultados, não vai simplesmente reclamar. O artigo 205* da Constituição Federal mostra que é obrigação da família e da sociedade colaborar para a educação, e a sociedade, cada vez mais, culpa o professor pela má atuação do aluno.
Os governantes precisam atuar, mas eles são reflexos da sociedade, uma sociedade que insiste em ser cliente. É um problema lá de cima, causado aqui por baixo também. A gente precisa observar, assumir a nossa parcela de culpa e atuar”, conclui.
* Artigo 205 da Constituição Federal – “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.