Não quero ser cidadão

Hoje em dia, quando me aborda, ainda que amigavelmente, um sujeito bradando “ô, cidadão”, já fico nervoso, contrariado. Quase ofendido. É que o “cidadão” só tem problema atrás de problema: pega fila, fica horas no transporte público (apertado com outros infelizes), é destratado nos órgãos públicos, respira ar poluído, leva desaforo pra casa, pena no trânsito caótico, etc.

Fora os incômodos tradicionais, há os novos. Filho de cidadão é vítima de ‘bullying’ na escola onde estuda, sob a supervisão de professores que pouco aparecem e ensinam! Esses jovens tinham mesmo é que ir a um bom psicólogo ou estudar fora do país e não seguir o exemplo dos pais e acabar se transformando em cidadãos, para alimentar o ciclo perverso. A moçada tem que ter atitude.

Com relação à questão estética, o cidadão não tem melhor sorte. É provado que ele já nasce velho, mal ajambrado e com pigarro característico. A imagem que temos é a de um indivíduo brega, vestido com roupas do tempo da ditadura, calçando sapatos velhos (mas impecavelmente engraxados) e com uma lustrosa barriguinha de chope. Vá ao menos tomar um banho de loja, cara!

Porém há proezas admiráveis que só o cidadão consegue desempenhar. Ele frequentemente ignora postulados consagrados da física, por exemplo. Isso ocorre quando dois (ou mais) cidadãos, ao mesmo tempo, ocupam o mesmo lugar em ônibus ou Metrô. O desafio à fisiologia humana também é de se notar: apenas o sistema digestivo do cidadão consegue digerir, processar, aquela “matéria” que é vendida sob o rótulo de alimento no centro das grandes cidades. Homens da Ciência, microscópios a postos!

E o pior é que há movimentos em prol da “cidadania” que estimulam essa loucura coletiva, provavelmente tapeados pelas quase vinte menções na Constituição Federal, pelos tratados internacionais e pelas diversas leis que se referem a ela. Rios de dinheiro e de tempo do Poder Público são vertidos nesse vão sentido e parcerias com a iniciativa privada são firmadas. Talvez esses ativistas pela “cidadania” estejam, secretamente, pagando algum tipo de penitência em vida, com medo de ir para o inferno, sei lá.

Bom mesmo é carregar outro título mais bacana, como “empresário”, ou “executivo” (artista ou político não, pois são muito assediados pelos odiosos “cidadãos”). Nunca vimos e nunca vamos ver manchetes como “Executivo aguarda oito horas para ser atendido” ou “Empresário tropeça em calçada do centro e pede providências”.

Esses não vemos por aí em fila de banco, atrás de remédio e invariavelmente se amontoando com outros em todo tipo de ocasião. Isso é coisa de cidadão! Que fique bem claro e que se me exclua dessa!

Carlos Eduardo Moreira Valentim é advogado,

especialista em Direito Administrativo,

mestrando em Direito do Estado pela PUC-SP

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