Uma das ponderações referentes aos problemas ambientais é o sentido formal de muitas das medidas adotadas visando sua solução. Tal afirmação pode ser direcionada para a questão da potabilidade da água, cuja qualidade está de vários modos comprometida na Represa Billings.
Certamente, a água constitui recurso passível de reciclagem. A Natureza assim procede com este líquido vital desde que o mundo é mundo. Ademais, essa é a finalidade das estações de tratamento, que para o senso comum configuram modelo viável de combate da poluição das águas.
Como se sabe, o tratamento primário dos esgotos remove materiais insolúveis contidos nas águas residuárias. Igualmente permitem a eliminação de patógenos e substâncias nocivas, concentradas no lodo despachado para os aterros.
Visto sob esse prisma, alguns poderiam até mesmo concluir ser possível sujar as águas doces à vontade. Afinal, cedo ou tarde elas retornariam à condição de potabilidade.
Contudo, os modelos em curso de reciclagem das águas servidas em operação no país não estão tecnicamente capacitados a remover porcentagens satisfatórias de metais pesados, compostos orgânicos sintéticos e outros materiais particulados que permanecem na água mesmo após sua “purificação”.
Neste prisma, assinale-se que os indicadores de qualidade de água têm se multiplicado, tornando-se cada vez mais rigorosos. Em 1925 a Saúde Pública dos EUA regulamentava número inferior a dez parâmetros para a água potável. Porém, em 1974 se estipulavam 20 itens. No ano 2000, já eram quase 130. Para o ano de 2020 estão previstos 200 indicadores de qualidade de água potável.
Certo é que a multiplicação de parâmetros não implica numa oferta de água com qualidade melhor do que a de 1925. Todavia, estampam uma ampliação dos cuidados – decorrentes do avanço da destruição ambiental – que foram acrescidos ao conceito de água apropriada para o consumo.
Recordando-se que o Grande ABC materializa uma densa mancha urbana reunindo centenas de fábricas que emitem milhares de componentes químicos e que ao mesmo tempo é um notável pólo gerador de lixo, então paralelamente à ameaça da escassez quantitativa da produção hídrica da Billings, há que ser considerado o cenário quase sempre esquecido da escassez qualitativa.
Trata-se de um desafio que não tem sido levado em consideração com a seriedade que esse debate suscita. Daí a indagação: A Billings fornecerá no futuro água realmente potável ou somente “bebível”?
Maurício Waldman
Pós-Doutor em Geociências UNICAMP
e Pós-Doutorando em Relações Internacionais pela USP
Doutor em Geografia USP com tese com foco
nos recursos hídricos do Grande ABC.
E-mail: [email protected]