Pesquisa do projeto São Paulo Megacity, realizada pelo IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas de São Paulo, mapeou a frequência de doenças mentais na Grande São Paulo e mostrou que os transtornos de ansiedade, como estresse pós-traumático, fobias e síndrome de pânico, lideram e estão presentes em 20% da população. Depois vêm os transtornos de humor, como depressão (11%); de controle de impulsos, como crises de raiva e déficit de atenção (4,3%); e por consumo de álcool e drogas (3,6%).
O levantamento foi feito com 5.037 pessoas, dos 39 municípios da região, entre 2005 e 2007.
Dados preliminares já haviam sido apresentados em 2009, mas agora a pesquisa completa, que faz parte de um grande estudo mundial, foi publicada na revista científica “PLoS ONE”.
A violência urbana ajuda a explicar a forte presença dos transtornos mentais na população. Do total de entrevistados, mais da metade – 54% -, relataram ter vivido uma experiência ligada a crimes, como ser vítima ou testemunha de assaltos e sequestros.
Juliett C. Freitas Cavalcante, psicóloga da Renascense Clinica, de Ribeirão Pires, explica que os prejuízos determinados pelos acidentes da vida em sociedade ultrapassam em muito os números de mortos ou as perdas materiais. “Esses outros prejuízos não aparecem nos números ‘oficiais’ e dizem respeito à pessoa humana, ao prejuízo emocional do ser humano comum”, fala.
A profissional destaca que cada indivíduo reage a essas experiências traumáticas de modo diferente. Há quem lida bem com os medos, como quem se entrega a eles. “Após a situação, cada um poderá viver de um modo singular os efeitos posteriores. Um pode ficar com medo apenas por alguns dias e depois voltar à vida normal; outro poderá ficar com uma ansiedade muito grande e duradoura e não conseguir voltar à sua rotina; enquanto um terceiro poderá afundar numa profunda depressão decorrente do grande abalo causado pela experiência”, lista.
O estresse pós -traumático
Entre os sintomas do estresse pós-traumático estão a tensão no corpo, mal estar em situações que recordam o trauma, sentimentos depressivos, frequentes mudanças no humor, irritação ou cansaço com mais facilidade, tendência de isolamento aos demais, sentimento de culpa e auto-acusação.
“A ocorrência de um agente estressor não significa que a pessoa vai desenvolver o transtorno, algumas são mais vulneráveis e predispostas”, destaca Cavalcante, fazendo um adendo. “Não subestime os sintomas do transtorno em crianças e idosos depois de terem vivenciado situações traumáticas”, diz a psicóloga. “A terapia, aliada ao tratamento psiquiátrico, são ferramentas que ajudam a pessoa a se inserir novamente em seu mundo, e aos poucos gerando mais confiança e segurança em si mesma”, completa.
Tratamento
A pesquisa do projeto São Paulo Megacity mostrou que 10% da população em São Paulo têm doenças psiquiátricas graves. Esse índice está acima da média de outros 14 países, segundo a Organização Mundial da Saúde. Nos Estados Unidos, a prevalência é de 5,7%.
Apesar do índice brasileiro, só um terço recebeu tratamento nos 12 meses anteriores às entrevistas. A baixa é relacionada ao pouco conhecimento sobre os transtornos mentais e ao estigma ligado às doenças. “Ainda existe, infelizmente, um preconceito com relação aos portadores de qualquer tipo de transtorno mental, desde o mais leve ao mais crônico. Na verdade, muitas vezes, a doença mental está tão perto de nós, tão cruelmente assustadora à nossa frente, que inconscientemente optamos pelos mecanismos de defesa da negação e da racionalização, afastando-nos do problema para algo frio e impessoal para não nos contaminarmos com ele”, fala Cavalcante.
Essa situação só passará a ser vista com outro olhar quando a pessoa portadora de algum transtorno, familiares e a comunidade aprenderem sobre o que é a doença mental, conhecerem as dificuldades vivenciadas e tiverem acesso ao tratamento adequado. “Para tal, torna-se urgente a participação comprometida de toda a sociedade. Tornando-nos mais atentos às doenças mentais, podemos contribuir para criar as merecidas oportunidades a estas pessoas, permitindo-lhes levar uma vida normal e um regresso à comunidade como membros produtivos, autoconfiantes e capazes de desenvolverem todo o seu potencial de vida”, conclui a psicóloga.