Tragédias anunciadas

Sempre houve e sempre haverá deslizamentos de encostas. A forte chuva as encharca até que estejam saturadas de água feito esponjas, percam aderência às rochas ou camadas mais firmes que as sustentam e despenquem arrastando tudo que estiver sobre elas, soterrando tudo o que estiver em seu caminho. É desse modo que a natureza esculpe as serras e molda os vales. Ela é assim mesmo e não há nada que o homem possa fazer para evitar esses deslizamentos, nenhuma obra que governante algum possa imaginar ou prometer. Não sofre quem não desafia a natureza.

Sempre houve e sempre haverá enchentes. Em obediência à implacável força da gravidade, as águas de chuvas copiosas correm para as áreas mais baixas e as inundam se não puderem escoar-se com a necessária rapidez. Tanto maiores as enchentes quanto mais intensa a chuva, quanto mais impermeável o terreno, e quanto mais dificultado o escoamento. Também as inundações são manifestações normais da natureza. Todos os anos, ficam alagadas grandes áreas ao longo do Amazonas, o Pantanal se enche de água e o Nilo transborda, fertilizando extensas áreas em suas margens. No entanto, de lá não nos chegam notícias de mortes, nem de quem perdeu todos os seus pertences.

Então porque as tragédias? Elas acontecerão enquanto governos e autoridades fizerem vista grossa para loteamentos clandestinos, invasões desordenadas e construções irregulares em áreas sabidamente de risco; continuarão a acontecer enquanto as áreas de risco não forem evacuadas e as favelas não forem substituidas por moradias acessíveis e seguras em quantidade suficiente. Acontecem porque a maioria das pessoas prefere aglomerar-se nos grandes centros urbanos, cobrindo tudo com asfalto e concreto, enchendo ruas e córregos de entulho e lixo. Em resumo, acontecem por descaso dos órgãos públicos, mas também por falta de educação (em todos os sentidos), de cidadania e muitas vezes de juízo.

Hoje os bombeiros socorrem as vítimas, contam-se os mortos, os desafortunados consolam-se com doações, os governantes apressam-se a inspecionar as áreas devastadas prometendo verbas e obras, mas amanhã estas mesmas áreas estarão novamente ocupadas da mesma forma, como se nada tivesse acontecido. E isto continuará, assim como continua a agressão ao meio ambiente, até que suceda a maior de todas as tragédias anunciadas: a gigantesca enchente causada pelo derretimento dos gelos polares, que dará nova forma ao mapa do mundo, submergindo cidades litorâneas e criando novos mares no interior dos continentes. A geração atual, que tem a ventura de desfrutar do maior desenvolvimento científico e tecnológico que a humanidade conheceu até agora – embora seja também a que mais está cobrindo o mundo de lixo – não mais assistirá a essa tragédia, mas é a herança que está deixando para seus netos.

Hans Georg Winter, engenheiro.

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