Pelo toque dos dedos, deficientes visuais resgatam sonhos por meio do conhecimento
Um sorriso vai ganhando forma nos lábios de Maria de Fátima Bossani quando ela fala do curso de Braille e soroban (matemática). “Minha vida mudou desde que comecei a estudar o método”. Aos 63 anos, 17 deles sem conseguir enxergar, a aposentada é uma das alunas do curso de Braille oferecido gratuitamente pela Prefeitura de Mauá. Todas as tardes, deficientes visuais se reúnem no Centro de Formação de Professores Miguel Arraes, no Centro, para aprender a ler, escrever e fazer as operações matemáticas. São 44 alunos divididos em 10 turmas.
Com a mochila recheadas de sonhos, eles querem chegar longe. “Tenho me qualificado para conseguir um emprego. Meu sonho é fazer faculdade de administração e trabalhar nessa área. Hoje, com o Braille, consigo fazer também o curso de inglês, que nos dias de hoje é essencial”, afirmou Tamires Nunes, 31 anos, que aprende os métodos há oito meses. Desde os 25 anos, ela vem perdendo a visão por conta de uma retinose pigmentar – doença na retina ocular.
Pelo toque dos dedos na máquina, Vanilda Nascimento, 48 anos, reconstrói seus objetivos antigos, interrompidos bruscamente. “Estudava no EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas perdi a visão por conta da diabetes. Dormi e no outro dia acordei sem enxergar do olho direito. Três meses depois, perdi a visão do olho esquerdo. Abandonei a escola. Estava com filha pequena e era difícil. Minha menina vai pra escola no período da tarde e tenho tempo livre. O sonho de ler, escrever sempre esteve vivo dentro de mim. Tinha muita vontade de aprender o Braille e o soroban. Agora, que estou começando a aprender, quero realizar meu sonho antigo de ser secretária e fazer faculdade. Sinto que sou capaz porque tenho muita força de vontade”.
A professora responsável pelo curso na Prefeitura é Rosilene Pova, que também é deficiente visual. Ela é pedagoga, bacharel em Direito e mestre em Formação de Docentes pela Universidade de São Caetano do Sul. “O aprendizado permite a retomada das atividades sociais. Ao perder a visão, você perde também grande parte do poder de se comunicar. Hoje tudo é passado pela escrita. Nosso objetivo é justamente dar acesso”, disse. Independência social, aliás, que o aluno Vitor Rabello, de 47 anos, valoriza. “Depois que eu comecei o Braille, eu consegui ser mais independente. Hoje já consigo ler e escrever”.
O tempo de aprendizagem também é respeitado no curso, por isso, as aulas são individuais – apesar de serem feitas em grupo, cada aluno tem seu planejamento de aula personalizado. “Partimos dos interesses de cada um, mas trabalhamos todos os gêneros textuais e todas as operações também”, destacou a professora.
Histórias diferentes que o conhecimento uniu, mas se engana quem pensa que o ganho é apenas pedagógico. “A interação nos ajuda muito. A mente vazia é ruim. Aqui ao conversar com os colegas, muitas vezes percebemos que nossos problemas nem são tão grandes como pareciam. Ao perder a visão é comum as pessoas se colocarem numa redoma, mas devemos sair da redoma. Aprender a viver novamente”, afirmou Maria de Fátima com sorriso contagiante formado nos lábios.