Em decisão, juiz considerou Dedé da Folha “Ficha Suja”

Na última semana, o “Caso Dedé da Folha”, candidato a prefeitura de Ribeirão Pires que teve o registro de sua candidatura indeferido foi o assunto do momento. Não só pela decisão em si, mas pelo fato de que em sua sentença, o juiz o enquadrou como “ficha suja”, já que tem uma condenação transitada em julgado referente a abuso de poder econômico datada das Eleições 2004, quando encartou material de campanha na Folha de Ribeirão Pires.

Candidato governista tenta reverter decisão e deferir candidatura

O juiz eleitoral, Dr. José Wellington da Costa Bezerra, explica que, no texto da Lei Ficha Limpa (LC 135/10), está estabelecida “a pena de cassação por abuso de poder, independente do momento em que a ação for julgada procedente, e aumenta o prazo de inelegibilidade de 3 (três) para 8 (oito) anos”. Ele inclusive pré-justifica o argumento da defesa de Dedé, que defende o fato de ele já ter cumprido pena anteriormente ao afirmar que “não incide na espécie o princípio da anterioridade legal insculpido no art. 16 da Constituição Federal, uma vez que o dispositivo em comento, modificado pela lei da Ficha Limpa, não altera o processo eleitoral”.

Consultado pelo Mais Notícias, o jurista Gilmar Andrade de Oliveira afirmou que “o juiz eleitoral José Wellington da Costa Bezerra é bem conceituado” e também que “suas sentenças sempre são muito bem fundamentadas” e por isso, “é muito provável que a sentença seja mantida” nas instâncias superiores.

Mesmo a defesa do candidato, que está sendo feita pelo advogado Alexandre Damásio Coelho, admite, em entrevista ao Diário do Grande ABC, que a situação é complicada: “Se até o dia da eleição não tiver com o registro deferido, todos os votos são nulos. É o que chamamos de candidatura por conta e risco”, afirmou. O processo, ontem, foi distribuído para a juiza Clarissa Campos Bernardo. Em caso de insucesso, ainda pode ser tentada uma liminar apesar de o grupo político de Dedé, encabeçado pelo prefeito Clóvis Volpi já ter adiantado que não recorrerá de uma decisão negativa do TRE (Tribunal Regional Eleitoral). A decisão sairá até a próxima semana.

Entenda o caso – No último dia 13 de julho, a coligação “Mudar Para Melhor”, que apóia o candidato a prefeito Saulo Benevides (PMDB), entrou com duas ações na Justiça Eleitoral solicitando a impugnação da candidatura de Dedé alegando que ele estaria inelegível por conta do parecer negativo do Tribunal de Contas referente a suas contas públicas de 2007 e 2008, quando atuou como presidente da Câmara Municipal. O grupo apela para a informação de que a Lei da Ficha Limpa impede candidatos com tal pretérito de concorrer nas eleições deste ano.

Além disso, há um processo onde Dedé foi réu referente a abusos cometidos nas eleições de 2004. Na época, o então candidato a vereador usou indevidamente o jornal de sua família. Mesmo tendo cumprido a pena de três anos de inelegibilidade, a legislação determina como critério para elegibilidade “um passado limpo”, o que coloca um sério entrave na campanha do popular-socialista.

Como Dedé conseguiu reverter a reprovação das contas de 2007 e as de 2008 estão em fase de avaliação, o juizado eleitoral acatou o pedido de impugnação baseando-se na condenação de abuso do poder econômico.

Veja na página ao lado, a sentença, na íntegra:

CONCLUSÃO

Aos 24 de julho de 2012, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Eleitoral, Dr. José Wellington Bezerra da Costa Neto. Eu, __________________________ Escrevente, digitei e subscrevo.

Autos n° 241-58.2012.6.26.0183.

Vistos.

Cuida-se de impugnação ao registro de candidatura que Coligação “Mudar para melhor” oferece em face de Edinaldo de Menezes, este último pretendente ao registro para concorrer ao cargo de Prefeito nas vindouras eleições municipais.

Afirma-se na representação que o impugnado estaria inelegível para ó presente pleito à vista do disposto nas alíneas “d” e “g” do art. 1o, I, da Lei Complementar n° 64/90, porque na qualidade de Presidente da Câmara Municipal nos exercícios de 2007 e 2008 teria tido suas contas rejeitadas por vício insanável qualificado pelo impugnante como ato doloso de improbidade administrativa. E ainda porque condenado pela Justiça Eleitora, por decisão definitiva de 2006, por abuso do poder econômico perpetrado nas eleições de 2004, estendendo-se a inelegibilidade pelo prazo de oito anos, até ao pleito por ocorrer. A inicial veio instruída com farta documentação.

Notificado o representado ofertou resposta, aduzindo primeiramente que a pena de inelegibilidade decorrente da ação de investigação judicial eleitoral referida pelo impugnante já se exauriu, e por se cuidar na espécie de inelegibilidade-sanção, a nova redação dada ao inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar n° 64/90 não poderia retroagir, pena de ferir o princípio constitucional da irretroatividade da lei penal e ofensa à segurança jurídica.

Em relação às rejeições de contas relativas aos exercícios de 2007 e 2008, salientou o impugnado que não há trânsito em julgado das decisões administrativas emanadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Salienta, aliás, que no caso do exercício de 2007 em grau de recurso ordinário teria havido aprovação das contas, ainda não constando publicação, do v.acórdão respectivo, pendendo recurso ordinário da rejeição das contas relativas a 2008. Ao final pugnou pela rejeição da impugnação e o conseqüente deferimento do registro da candidatura do impugnado. Instruiu com documentos a resposta.

O Ministério Público eleitoral ofertou parecer pela parcial procedência do pedido.

E o relato do necessário.

Decido.

Passa-se ao antecipado julgamento do feito, considerando que a matéria sob debate é exclusivamente de direito, visto que os fatos estão documentalmente delineados de.forma suficiente (art. 42, caput”, dá Resolução nº 23.373/11).

Cuida-se na espécie de controvérsia que versa a famigerada “Lei da Ficha Limpa”, alcunha dada a Lei Complementar n° 135/2010 que inseriu modificações diversas na Lei Complementar nº 64/90, inserindo e alterando hipóteses de inelegibilidade, inclusive estendendo prazo de vigência desta.

Como a lei em questão atribuiu efeitos mais gravosos a eventos especificadas nas suas diversas alíneas (elevação de prazo de inelegibilidade), além de acrescentar outros eventos como hipóteses de inelegibilidade, os debates logos surgiram em torno da constitucionalidade de sua incidência aos eventos em questão quando ocorridos antes da vigência da lei, muito embora a eleição na qual a inelegibilidade fosse incidir ocorresse posteriormente à sua edição.

No cerne desta controvérsia, o princípio constitucional da irretroatividade das leis, especialmente a feição penal, segundo a qual á lei penal não retroage, senão para benefício do acusado (CR, art. 5°, XXXVI e XL). Outro ponto questionado diz respeito à possível vulneração ao princípio da presunção de inocência em decorrência de múltiplas previsões normativas de inelegibilidade em casos onde haja condenação proferida por órgão colegiado, mesmo que inocorrente, ainda, trânsito em julgado.

Doutrina de peso foi no sentido de que “pelas sanções mais severas, ainda que de natureza não penal (no sentido estrito), da Lei da Ficha Limpa, seus efeitos somente se projetam para situações futuras (eficácia ex nunc)” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos, VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Código Penal Interpretado, 2o ed., São Paulo: Atlas, 2011, p. 542);

Apesar disto, em notório julgamento, da questão[1], o C.Supremo Tribunal Federal apesar de afastar a aplicação da legislação em questão às eleições ocorridas no ano de 2010, ano de sua publicação, não deu azo a questionamentos acerca da constitucionalidade da lei, admitindo sua aplicação a fatos (notadamente condenações) que tenham ocorrido antes de sua vigência, inclusive a extensão de prazo de inelegibilidade.

Lê-se no v.acórdão que “A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar n° 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5°, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito) … A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9°), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional”[2].

O posicionamento seguido pelo C.Tribunal Superior Eleitoral foi ainda mais restrito, dando até mesmo pela aplicação da legislação em questão às eleições de 2010. O que para nós interessa é salientar que também este órgão não invalidou o diploma por supostas afrontas à irretroatividade da lei/lei penal ou mesmo ao princípio da presunção de inocência. A respeito convém citar:

“Consulta. Inelegibilidades. Lei Complementar n° 135/20107 1. No julgamento da Consulta n° 1120-26.20Í0.6.00.0000, o Tribunal assentou quea LC n° 135/2010 tem aplicação às eleições gerais de 2010. 2. A LC n° 135/2010, que alterou as causas de inelegibilidade, se aplica aos processos em tramitação iniciados, ou mesmo já encerrados, antes de sua entrada em vigor, nos quais tenha sido imposta qualquer condenação a que se refere a nova lei. 3. A incidência da nova lei a casos pretéritos não diz respeito à retroatividade de norma eleitoral, mas, sim, à sua aplicação aos pedidos de registro de candidatura futuros, posteriores à entrada em vigor, não havendo que se perquirir de nenhum agravamento, pois a causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento de registro da candidatura. 4. Exsurge da nova lei que a incidência de causas de inelegibilidade em face de condenações por órgão colegiado, sem exigência de trânsito em julgado, resulta da necessidade de exigir dos candidatos vida pregressa compatível para o exercício de mandato” (TSE, Consulta n° 114.709/DF, Rel Arnaldo Versiani Leite Soares, j. 17/06/2010).

Mais recentemente, no julgamento do Recurso Ordinário n° 437.764/DF, de Relatoria do Ministro Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, julgado em 17/11/11, afirmou-se que “Aplica-se o disposto no art. 22, XIV e XVI, da LC n° 64/90, com a redação da LC n° 135/2010, que estabelece a pena de cassação por abuso de poder, independente do momento em que a ação for julgada procedente, e aumenta o prazo de inelegibilidade de 3 (três) para 8 (oito) anos” e ainda, que “Não incide na espécie o princípio da anterioridade legal insculpido no art. 16 da Constituição Federal, uma vez que o dispositivo em comento, modificado pela lei da Ficha Limpa, não altera o processo eleitoral” (destaques meus).

No âmbito do Eg Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, inclusive em caso assemelhado ao presente, também já se decidiu:

“TRE-SP – REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO DE DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO POLÍTICO. PARTE ILEGÍTIMA. RECEBIDO COMO NOTÍCIA DE INELEGIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO DA DOUTA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL. ACOLHIDA. CONDENAÇÃO POR USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. INELEGIBILIDADE NOS TERMOS NO ART. 1o, INC. I, ALÍNEA ‘D’, DA LC N° 64/90. AUSÊNCIA DE CERTIDÃO DE OBJETO E PÉ DE PROCESSO CRIMINAL. REGISTRO INDEFERIDO. In casu, o impugnado N.L.A.D. foi condenado por uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos do artigo 22, inciso XV, da Lei Complementar n° 64/90, com trânsito em julgado em 4/12/2006 (Recurso Eleitoral n° 24.758, classe 2a deste Tribunal Regional Eleitoral). Não se pode olvidar que, tratando-se de representação por uso indevido dos meios de comunicação social nas eleições de 2004, está o pretendente inelegível até as eleições de 2012, ou seja, até o transcurso do prazo de oito anos após a eleição em que ocorreu o abuso (art. 1o, inc. I, alínea ‘d’, da Lei Complementar n° 64/90).” (REGISTRO DE CANDIDATO n° 232045, Acórdão de 23/08/2010, Relator(a) Penteado Navarro, T.R.E.-SP, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 23/08/2010).

Postas assim as balizas que hão de presidir ao julgamento, resta unicamente analisar a documentação que instrui os autos e cotejá-la com as hipóteses previstas no art. 1o da Lei Complementar n° 64/90 conforme alterações introduzidas pela Lei n° 135/2010.

E neste passo, nota-se que no caso o impugnado deveras teria sofrido rejeição de contas pelo Eg Tribunal de Contas do Estado, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, ocasiões em que exercia o cargo de Presidente da Câmara Municipal local (f. 85 e 232). Nota-se, contudo, que com relação às contas de 2007, deu-se provimento a recurso ordinário interposto pelo impugnado, julgando-se então regulares as contas com ressalva (f. 335). Em relação ao exercício de 2008 pende de julgamento recurso ordinário interposto pelo impugnado (f. 233-246 e 258).

Ora, prevê a invocada alínea “g” do inciso I do art. 1o da Lei Complementar n° 64/90 que a inelegibilidade aplicar-se no caso de “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição” (destaquei).

Portanto, nem se há de adentrar a maiores considerações acerca da qualificação dos atos que ocasionaram a rejeição das contas como caracterizadores de improbidade administrativa (ou mesmo acerca de dolo), sequer se se cuidava de irregularidade Insanável. Isto porque não há decisão definitiva de rejeição do órgão competente para tal análise, na espécie, o Tribunal de Contas do Estado.

Porém, na esteira do percuciente parecer ministerial, procede a impugnação com relação ao segundo fundamento. De fato indicam os documentos juntados a f. 54-67 e 50-51 que o impugnado sofreu nas eleições de 2004 condenação por abuso do poder econômico, precisamente abuso do uso dos meios de comunicação social (emprego indevido de jornal de ampla circulação local). A decisão do Eg Tribunal Regional Eleitoral deu-se em 05/07/2005, seguindo-se interposição de Recurso Especial Eleitoral.

Na via extraordinária o reclamo foi decidido com negativa de provimento ao recurso e trânsito em julgado aos 10/05/2006.

Ora, tendo as eleições onde ocorridos os fatos que geraram tal condenação tido lugar em 2004, e aplicada a extensão do prazo de inelegibilidade conforme prescrição da Lei Complementar n° 135/2010 para oito anos (conforme razões já expostas), segue-se que está o impugnado inelegível para o presente pleito, na forma da alínea “d” do inciso I do art. 1° da LC n° 64/90: “os que tenham contra sua pessoa representação julgada, procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”.

Destarte, outro desate não se pode dar senão acolher a impugnação e indeferir o registro da candidatura do impugnado.

Postas estas considerações, acolho a impugnação que Coligação “Mudar para melhor” oferece em face de Edinaldo de Menezes, para o fim de indeferir o pedido de registro de candidatura do impugnado.

P.R.I.C.

Arquive-se oportunamente.

Ribeirão Pires, 24 de julho de 2012.

JOSÉ WELLINGTON BEZERRA DA COSTA NETO

Juiz Eleitoral


[1] ADC n° 29/DF, Rei Min Luiz Fux, j. 16/02/12.

[2] Vale inclusive pontuar que foi vencido o digno relator “naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo .de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado”.

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