De que se vale a pena

“É difícil defender a vida só com palavras.” – João Cabral de Mello Neto, em Morte e Vida Severina

No mundo de valores invertidos em que vivemos – onde ódio é amor, mentira é verdade, ignorância é educação, hipocrisia é ética, corrupção é dignidade e assim por diante – o ser humano que ainda guarda uma centelha de esperança pergunta se vale a pena.

Por todos os preceitos – econômicos, morais, culturais, políticos, religiosos, para onde quer que olhe, para onde quer que vá, por mais que tente se relacionar com os seus pares, ele pergunta se vale a pena.

Pelos critérios da economia capitalista, em que o lucro é a medida das coisas, “tempo é dinheiro”, o cidadão que trabalha pelo amor ao ofício, para defender a sua verdade, a sua justiça, ao contemplar a caixa minguada no fim do mês e as dívidas e os impostos crescentes… pergunta se vale a pena.

Olhando para o vizinho do lado, que enriquece a olhos vistos, sem que saiba como pode ser tão depressa, a julgar pelo barco, terreno na praia, mansão na cidade, até moto para a filha e guitarra para o filho etc., o cidadão, que trabalha, pergunta se vale a pena.

Em desespero, diante de tanta nulidade, ele se socorre dos preceitos bíblicos, ultimo reduto dos crentes. Então descobre que não se deve atirar pérolas aos porcos e é insensatez semear em solo árido. E ainda assim se pergunta se vale a pena.

Muitos de nós se perguntam se vale a pena. Alguns outros têm certeza absoluta de que vale a pena. E fazem de tudo para que não mexam no jogo, não mudem nada, não questionem, não incomodem, enfim, “o mundo é assim mesmo.” Deixem como está.

E parem de perguntar se vale a pena.

Extraído do editorial do jornal O Mainga (Iguape, maio de 2010)

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