“Canetada irregular” da Câmara apaga parte da história de Ribeirão Pires

É consenso de todos que o Brasil vive em regime democrático, em que o poder emana do povo que, por sua vez, elege alguns para o representar e fazer sua vontade, seja nas Câmaras de Vereadores, de Deputados, Senado, Prefeituras, e governos Federal e Estadual. E se essa premissa fosse desrespeitada?

Logradouro irá mudar de nome

Logradouro irá mudar de nome

Foi exatamente isso o que aconteceu na sessão desta semana da Câmara de Vereadores, quando, ao melhor estilo blitzkrieg (ataques rápidos e de surpresa, com o intuito de evitar que as forças inimigas tivessem tempo de organizar sua defesa usados pelo exército alemão na Segunda Guerra), foi aprovado o projeto de lei 31/2015 que muda o nome da Estrada da Colônia, uma das mais tradicionais de Ribeirão Pires. O texto que havia sido vetado pelo prefeito, contava com a discordância de ao menos dois entes fundamentais nesta cadeia: os moradores da rua (que serão os mais afetados com a mudança) e também os historiadores da cidade, por meio da Associação Pró-Memória.

Inicialmente aprovado por unanimidade em 23 de novembro de 2015, o projeto (que foi votado em regime de urgência) seguiu para sanção do prefeito Saulo Benevides dois dias mais tarde. Entretanto, em 7 de dezembro, a Associação Pró-Memória de Ribeirão Pires, entidade que congrega historiadores da cidade, enviou ofício questionando a indicação do logradouro para a mudança. No documento, estão elencadas uma série de motivos para que a propositura não fosse sancionada: “Esta rua tem esse nome em virtude da colônia italiana se estabelecer em lotes cedidos pelo governo, ao longo desta Estrada, no final do Século 19 (…) esse fato histórico, por si só, deve ser mantido no sentido de memorizar um acontecimento onde entendemos que a extinção desse nome destrói enormemente a história do nosso município”. A entidade ainda ressalta que o alvo da homenagem, José Edinaldo Gemecê de Menezes, fundador da Folha de Ribeirão Pires, “merece ser homenageado”, até por ter sido autor do livro “História das Histórias”, que “descreve fatos e depoimentos históricos do nosso município”, mas que, até por ser ele conhecedor da história da cidade, se estivesse vivo, “jamais proporia tal alteração”.

Marcio Marques, integrante da Associação Pró-Memória, endossa as palavras: “não é uma rua qualquer, ela tem história. Era o caminho que levava ao primeiro núcleo colonial, a primeira sede da cidade, em torno da Igreja do Pilar. Passamos as informações ao Prefeito, razão pela qual o prefeito vetou o projeto”. Ele ainda lembra que a via ia da Rua do Comércio até a Igreja do Pilar, mas houve uma mudança nos anos 70, para Rua Miguel Prisco. “É estranho. Uma semana, os vereadores se posicionam contra a demolição da Fábrica de Sal, na outra apaga a história?”. Ele conclui lamentando: “Com isso a história da cidade vai se apagando”. Houve ainda um abaixo-assinado que foi entregue ao líder de governo, Hércules Giarola, mas não foi apresentado em sessão ou anexado ao projeto.

Com o veto, o projeto volta ao Prefeito para sanção que, segundo informações apuradas pelo Mais Notícias, não será realizada. Desta feita, de acordo com a Lei Orgânica do Município, o projeto volta à Câmara para sanção do presidente, Zé Nelson (PSD). Caso ele não o faça, a incumbência passa a ser do Vice, Jorge da Autoescola (PR).

Ilegalidade – Toda a questão estaria resolvida, não fosse por um detalhe: o Projeto de Lei não respeitou os trâmites previstos em lei. De acordo com as leis 2448/86 e 5.533/11, que versam sobre o tema, próprios municipais, logradouros públicos e vias públicas devem seguir alguns ritos para receber denominação ou sofrer alterações.

Para ser apresentado, projeto deve incluir, além da certidão de óbito (as homenagens devem ser prestadas a pessoas falecidas) e currículo do homenageado, o parecer técnico do Cigageo (Central de Informações Cadastrais e Georeferenciadas, atual Setor de Cadastro) informando se há duplicidade do nome, se a via já não é nomeada, a lista de propriedades afetadas, com número e nome dos proprietários e coordenadas geográficas, e planta, entre outros itens. O órgão tem prazo de 15 dias para emitir o documento (lembrando que é obrigatório), prorrogáveis por mais 15. Caso isso não ocorra, aí sim o projeto fica liberado para ir à votação.

Com base na Lei de Acesso à Informação, a reportagem do Mais Notícias teve acesso ao projeto e constatou que o projeto foi votado no mesmo dia em que foi protocolado na Casa de Leis, 23 de novembro. Ou seja: não houve sequer tempo para que a documentação do órgão fosse redigida.

Segundo um jurista que foi consultado mas pediu para ter seu nome omitido, neste caso, por falha no cumprimento do rito legal, o ato pode ser anulado.

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