Aos 73 anos, Clovis Volpi assumiu a cidade de Ribeirão Pires para seu terceiro mandato sob um grande desafio: lidar com a crise financeira da cidade e a crise sanitária causada pelo Coronavirus. Ele recebeu o Mais Notícias em seu gabinete para uma entrevista em que fala sobre a situação atual de Ribeirão Pires, sobre seu futuro na política e a aposta na juventude, revelando inclusive um dos seus grandes enganos na política: a aposta no ex-vice-prefeito Dedé da Folha.
Mais Notícias: Prefeito, no próximo dia 19, aniversário de Ribeirão Pires, você irá completar 80 dias de gestão. Por favor, faça um balanço desse período e fale um pouco sobre como você encontrou a prefeitura, aquém ou além do que você esperava?
Clóvis Volpi: São os piores oitenta dias da minha vida. Recebemos a prefeitura 10 vezes pior do que esperávamos, em um completo desarranjo e desmandos administrativos. A administração do Kiko não tinha um norte, eles não sabiam o rumo que desejavam. Não havia integração entre as secretarias, conhecimento entre os secretários do que se fazia e isso criou uma desarmonia. Não havia controle financeiro rígido da Prefeitura e gastava-se muito mais do que se arrecadava, com isso foi gerado um descontrole total. Nós achávamos que haveria uma média de dívida de R$ 120 a R$ 150 milhões e que, se tivesse restos a pagar, não seria para Organismos Oficiais, porque dessas dívidas não se consegue fugir. Enfim, encontramos tudo ao contrário. Esse desarranjo mostrou o seguinte: não há controle financeiro, as dívidas judiciais aumentaram, são R$ 139 milhões de restos a pagar e, dentro deles, R$ 45 milhões são do IMPRERP, que temos de cobrir e pagar para não ficar sem as certidões (negativas de débitos). Hoje, as dívidas do IMPRERP mais a prestação mensal vão levar por mês 10% da arrecadação bruta da cidade. E estou racionalizando aqui que com toda a queda nós arrecadaremos cerca de vinte milhões por mês. Se isso (crise da pandemia) persistir nós vamos ter uma arrecadação de R$ 20 milhões vezes 12 meses, são 240 milhões no ano. Como o orçamento previu R$ 371 milhões, vamos ter perto de R$ 130 milhões a menos de arrecadação e não teremos como cobrir absolutamente as dívidas que ficaram. Teremos que fazer uma reprogramação perto de 20 anos para a cidade pagar esta dívida que estamos herdando agora. Os próximos cinco prefeitos, incluindo eu, não poderão fazer nenhuma dívida, tendo que apresentar todo ano um empate ou um déficit financeiro pequeno ou ainda, para salvar, um superávit. Se a cidade fosse uma empresa, entraria em concordata ou em falência.
MN: Visto esse cenário e sua experiência, qual a solução para atacar esse problema?
CV: Tem duas alternativas: a primeira é o país voltar a crescer. Se isso acontecer, resolvemos o problema mais rapidamente. Como a perspectiva é de que este país não vá crescer economicamente nos próximos três ou quatro anos, vai engatinhar para poder crescer depois, só tem uma saída: cortar despesas. Não tem truque e nem milagre. Mas, quando você faz isso, sacrifica serviços públicos como Educação, Saúde, Manutenção da Cidade, Cultura, Esporte. Uma cidade não vai à falência, mas sacrifica os serviços para a comunidade. Nós estamos esse ano com essa perspectiva: de sacrifícios e cortes e se sentirmos que começa a engatinhar, no ano que vem começamos a rever este sacrifício, retomando algumas coisas. Será assim até retomarmos um equilíbrio financeiro. É como se, em uma linha horizontal representando o zero, nós estivéssemos abaixo dessa linha. Para chegar ao zero, levaremos os quatro anos e vamos ser altamente dependentes de emendas parlamentares e da benevolência dos governos Estadual e Federal, pois nós não temos alternativa de crescimento com verba do tesouro municipal. Só vamos pagar o que for mensurável. O que não for mensurável, será na justiça ou em um belo acordo, se tivermos recursos para isso, com bons descontos.
MN: Existe hoje um grande déficit de mão de obra nas indústrias de tecnologia e não há no ABC ou em regiões próximas um polo especializado. É uma indústria que não polui e poderia aumentar a arrecadação. Esse tipo de solução está nos planos da Prefeitura?
CV: Essas empresas elas fazem opções de benefícios que a cidade possa oferecer. Estamos abertos a negociação e estamos buscando – nosso Desenvolvimento Econômico tem a obrigação de buscar isso, de fazer essas consultas, de oferecer benefícios. Eles pagam ISS e a legislação hoje permite uma alíquota de 2% a 5%. Eu não posso baixar o ISS como Barueri fez há 20 anos atrás. Como eles vão se instalar por 2%, que é a menor taxa, eles possivelmente vão se instalar em cidades em que existam centros de tecnologia, complexos educacionais que possam oferecer mão de obra. No ABC, éramos tão industrializados na área automotiva que, muitas vezes, abandonamos algumas outras ações que poderiam ser feitas. Hoje, nós sofremos um pouco com isso. Não temos um centro tecnológico que possa chamar atenção dessas empresas para serem implantadas por aqui. Mas eu acredito que ainda vamos encontrar algumas empresas que queiram fazer isso e escolham a cidade boa que Ribeirão Pires é, até porque se for comparado tributariamente, somos iguais a todas as outras cidades.
MN: Tivemos fatos na região como o fechamento da Ford, que trouxe prejuízos a Ribeirão Pires por ter muitas indústrias que faziam parte da cadeia produtiva, o que também trouxe prejuízos. Que trabalho a prefeitura pode fazer para evitar que mais indústrias fechem?
CV: Conversas. Eu estive por exemplo na CBC, que está ampliando. Há segmentos industriais que cresceram na pandemia e que vão crescer. Nesses setores, não há excesso de empresas. Temos algumas empresas chinesas que se instalaram aqui e outras que estão negociando a possibilidade de vir. Temos muitos galpões vazios e possibilidade de locação desses galpões para a implantação de empresas. Essa semana eu tive a oportunidade de trazer duas empresas, uma com o galpão já instalado que só vai mudar a razão social para pagar tributos aqui. Logo nós vamos ter na Ponte Seca uma empresa de produtos para colchões, que está vindo de Mauá. Estou também fazendo a concessão onerosa de duas áreas para novas empresas que queiram se instalar aqui. Estamos batalhando e abertos a negociar até o limite legal.
MN: Foi feita uma auditoria da situação financeira. Há a possibilidade de se tomar alguma medida mais drástica no aspecto legal contra os gestores anteriores?
CV: Nós vamos entregar ao Ministério Público um relatório individualizado por casos. Isso deve gerar aproximadamente umas vinte ações. São contratos superfaturados, avaliações técnicas erradas… vamos até o fim com isso. Não é possível uma cidade pobre como a nossa ter gasto tanto dinheiro com obras que sequer foram terminadas, um custo altíssimo para cidade. De uma parte das dívidas, dos R$ 42 milhões (a fornecedores), possivelmente uns R$ 8 milhões são de obras não concluídas. Isso tudo o Ministério Público vai analisar. Faremos as denúncias necessárias para penalizar aqueles que lamentavelmente fizeram tudo isso. São coisas absurdas, como multas ambientais de R$ 500 mil que foram pagas com dois carros 2012 velhos. E isso foi aceito. Pode até se argumentar que ninguém pagaria uma multa ambiental nesse valor, mas era possível um acordo melhor, que fosse em 20 anos, em cestas básicas para entregarmos aos necessitados. Há uma série de alternativas. Essa situação chega a ser uma aberração. Isso vai doer a muita gente, mas é necessário.
MN: E essa foi a pior a ser encontrada?
CV: Não. Teve pior, mais dolorida, pois tem aquelas em que se gastou o dinheiro público, exorbitou-se o valor. Não é pouca coisa. Vamos soltar um relatório com 100 dias de governo. Isso fora o abandono da manutenção da cidade, os pontos de ônibus caindo. As escolas que estamos reformando, por exemplo, tiveram aulas paralisadas por um ano em que não limparam uma calha sequer.
MN: Mesmo com toda a crise, temos obras em andamento. As ruas estão tendo manutenção, como está a situação?
CV: Ainda está (necessitando de cuidados). Pode pegar a rua da minha casa que está assim (precisando de intervenções) porque eu não pude fazer uma licitação. Eu cancelei os contratos. Se nós não reduzirmos 30%, 35% dos contratos passados, nós vamos continuar criando déficit. Nós devolvemos, por exemplo, uma série de locações. São coisas que me doem o coração, como as atividades para a terceira idade em cima do Cerealista (NR: no bairro Roncon). São R$ 4.500 mensais, R$ 60 mil por ano. Não temos. Não dá mais para fazer isso. Com esse valor, compro uma série de remédios de alto custo que o juiz pede para que a Prefeitura pague. Não compra tudo, mas eu compro (cerca de) 10%, já que é um custo aproximado de R$ 1 milhão por ano. Pagava-se aluguel para deixar os carros na Prefeitura. Ora, cada secretário que tome conta de seu carro. Eram R$ 10 mil por mês. Na Escola de Música, R$ 15 mil por mês. Ela agora vai lá onde era o Hotel Escola (NR: que pertence ao Município). Eu não tenho medo de tomar essas decisões. Elas têm que ser tomadas. Caso contrário não recuperamos a cidade.
MN: E, em termos de investimento, o que o cidadão pode esperar para os próximos meses?
CV: Eu tenho dito aqui ao cidadão, quando gravo vídeos, sempre a verdade. Vai doer agora, mas deixo claro o porquê de algumas decisões. Temos problemas sérios na Saúde que precisamos resolver, temos a Covid que toma nosso tempo e dinheiro, estou brigando com o governo do Estado, implorando para o Governo Federal mandar dinheiro para a Saúde pois nosso custo com o Covid é de R$ 1 milhão por mês e estamos tendo que arrumar esse dinheiro do Tesouro Municipal. É o compromisso com a verdade e acho que até maio, junho, tenho crédito com o eleitor por conta disso: ele sabe que a situação está difícil. Eu espero que o segundo semestre não seja tão ruim. Por exemplo: o orçamento que o Kiko (Teixeira, ex-prefeito) fez foi de R$ 371 milhões. Se receber R$ 20 milhões por mês, receberemos somente R$ 240 milhões. São R$ 130 milhões de prejuízo. Eu preciso chegar em R$ 300 milhões por ano. Se eu chegar a esse valor, eu acerto R$ 71 milhões fazendo cortes. Aí eu empato esse ano. Mas se não chegar aos R$ 300 milhões, crio déficit de novo se eu autorizar a fazer alguma coisa. Ou seja: não posso autorizar fazer (as obras). Aí o mato está grande, sim. Vou cortar depois de março. A cidade vai retomar a zeladoria, com a frente de trabalho, uma nova ou a que eles tinham e não fizeram. Mas nós vamos cuidar. Só peço um pouco de paciência para o povo pois não está fácil, mas tudo bem. É um desafio. Mais um.
MN: Falando em desafio, o senhor está com a mesma vitalidade da última gestão. E vemos que apostou em pessoas jovens no seu entorno. Qual a sensação de estar com essa equipe jovem que está aqui para aprender?
CV: De velho chega eu. Toda vez que eu converso com alguém que chega com a expressão “no meu tempo” aí não quero mais ele aqui. É verdade. “No meu tempo” acabou. A tecnologia está aí, com novas ideias, uma nova forma de governar, novos acontecimentos que exigem mudanças na sua cabeça. Quem tem isso? Quem não viveu no passado. Políticos são saudosistas, mas eu não sou. Não tenho a capacidade de prever o futuro, mas eu sei o que pode acontecer no futuro. Agora eu preciso da juventude aqui. Então tenho secretário Jurídico de 29 anos, secretário de Promoção Social, 29 anos, secretário de Habitação, Meio Ambiente e de Planejamento Urbano, 33 anos. Estou colocando os jovens. Tem uns dois, três (mais velhos) mesclados, como em um time de futebol, em que é necessário capitães para colocar a cabeça (da equipe) no lugar, colocar ordem no jogo. É como o time do Palmeiras. E eu dou a liberdade para eles tocarem o negócio. E isso é fundamental, liberdade para que eles façam propostas. As vezes erram, claro, mas quem não errou nessa vida? Mas eles são bons. Eu raramente faço uma correção drástica. Só explico: não faça isso, pode ter efeitos colaterais.
MN: Você tirou o pijama e colocou de volta. Pretende concorrer à reeleição para fechar mais um ciclo de oito anos?
CV: Saio daqui com 77 anos (N.R: em 2024, ou seja, sem concorrer na próxima eleição). Estamos preparando os jovens para a função. Eu me enganei no passado com alguns jovens, como o Dedé (da Folha, ex-vice-prefeito). Me enganei com outros sim, mas o meu maior engano foi ele. Nada disso teria acontecido na cidade se o eu tivesse tirado (das eleições) quando percebi que não era o candidato ideal para a cidade. Eu errei com alguns. Não posso errar mais. Hoje eu olho para o jovem, não é se ele é bonzinho comigo, mas qual o caráter dele. Depois, quando ele sentar aqui (na cadeira de prefeito) ele pode não precisar mais de mim – e não tem problema. Mas a formação do caráter dele é boa para a cidade? Se for boa para a cidade, eu acho que Ribeirão Pires sai ganhando. Se o caráter dele não for bom, a cidade é quem vai perder. Então, alguns jovens que militaram na política aí nesses últimos oito anos não servem – não todos, há uma recuperação também, mas estou investindo bastante na juventude.
MN: Então depois desse mandato, o pijama sai do armário?
CV: Eu tenho que tomar uma decisão, eu sirvo mais como consultor e para dar opinião. Nesse mandato já é assim. Por exemplo: houve uma reunião aqui de uma hora de alta tecnologia. É um assunto que não domino e não dei uma palavra. Ouvi meu pessoal e os técnicos falarem. Eu estou preparado para isso, deixa que eles tomam conta. E eles vão ser melhores que eu. É um pessoal bom que vai dar certo.
MN: Ribeirão Pires faz 67 anos. Como você vê a cidade neste aniversário?
CV: É um olhar triste. Primeiro em função da pandemia e segundo em função da situação dela. Ribeirão Pires vai precisar de todos os cidadãos de bem para que se recupere. Se nós tivermos aqui os cidadãos de bem que compõem a sociedade abandonando o princípio que estamos colocando para eles, vamos arrasar a cidade. O cidadão de bem precisa estar consciente de que as medidas que estamos tomando são as decisões corretas para a recuperação da cidade. O meu olhar hoje é de tristeza. Há uma esperança na frente, mas para mantê-la, vamos depender da sociedade política e a constituída de verdade, as pessoas que não estão na política, mas têm consciência da grave situação atual.
MN: Uma coisa no que o senhor é diferente do seu antecessor é o fato de andar na cidade. O que você tem escutado do morador de Ribeirão Pires?
CV: Nesse momento, tenho escutado crédito das pessoas mais conscientes. Dos opositores, eu tenho escutado críticas. Mas são críticas de pessoas que não têm o menor conhecimento do que é a gestão pública. Eu tenho escutado também os elogios dizendo “segue nesse caminho”. Eu não sei o percentual entre uma coisa e outra, mas se eu tiver um número mesmo que pequeno que tenha essa consciência que eu tenho já terá valido a pena. Eu trabalho com o pessoal do bem. O pessoal do mal pode voltar a dirigir cidade e fazer o que eles quiserem – como fizeram né? É preciso muita paciência nesse momento. Muito conhecimento para não perder o fio da meada. Se eu perder o fio da meada, vamos para o buraco.
MN: O que o cidadão pode esperar do Prefeito?
CV: Trabalho. Tenho muita seriedade, com uma equipe séria, secretários todos com vínculos na cidade e os problemas de Ribeirão Pires, 90% deles com histórico aqui. Pessoas que estão aqui há duas, três, quatro gerações trabalhando, caso do Nonô, do Edu. São pessoas envolvidas com a cidade, profissionais com carinho, amor, querem produzir, têm conhecimento para isso, estão preparados e têm o sentimento da nossa filosofia. Equipe é tudo.