Obra recuperou prédio histórico do século XIX que, após 20 anos de abandono, voltará a ser utilizado em 2021
A Estação Ferroviária de Campo Grande, na região de Paranapiacaba, volta à vida. Com risco de desabamento depois de um incêndio e 20 anos de abandono, a estação construída no século XIX foi totalmente restaurada e refuncionalizada. O projeto cultural de restauro da estação teve gerenciamento da arquiteta Fabíula Rodrigues e foi patrocinado pela MRS Logística (concessionária de transporte de carga pela ferrovia), por meio da Lei de Incentivo à Cultura, com o valor aprovado de R$ 1.746.599,96.
A iniciativa teve apoio da Prefeitura de Santo André e do Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André). “Nesta gestão, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, a Prefeitura de Santo André tem se empenhado para viabilizar a recuperação dos relevantes símbolos históricos de Vila de Paranapiacaba e da região. Devido à dimensão e à complexidade desse patrimônio, ações em parceria têm se mostrado uma estratégia muito efetiva”, destacou o secretário de Meio Ambiente em exercício, Alexandre Audino.
O projeto cultural contemplou o restauro e a reconstrução total da área interna – telhas, tijolos, madeiramento estrutural, argamassa de revestimento, piso, portas e janelas. A área externa foi recuperada com novo piso, cercamento com alambrado, preparação do solo para o estacionamento, nova área de dejetos, postes de luz e uma iluminação monumental, que valoriza o restauro do prédio e destaca sua beleza estrutural. A obra durou dez meses e foi realizada por uma equipe interdisciplinar composta por 40 pessoas.
“A recuperação da Estação de Campo Grande é também a recuperação de uma parte significativa da história de Santo André e de todo o Estado de São Paulo. Este restauro, bem como as outras revitalizações realizadas na Vila de Paranapiacaba pela Prefeitura, MRS, Iphan, comunidade e outros parceiros, são de suma importância para recuperação e promoção deste grande complexo patrimonial que é Paranapiacaba”, acrescentou o secretário Alexandre Audino.
Inaugurada há mais de 130 anos, em 1º de agosto de 1889, este edifício histórico, construído pela empresa inglesa São Paulo Railway, integrava o contexto de crescimento do estado de São Paulo na segunda metade do século XIX. A partir de 2021, a estação será usada como centro de controle operacional das composições MRS que trafegam pela região em direção ao Porto de Santos ou retornando no sentido do interior de São Paulo, entre outros destinos.
“Temos muito orgulho do projeto cultural de restauro da Estação de Campo Grande. A MRS apoia fortemente a preservação da memória ferroviária, e Campo Grande é um projeto que evidencia nosso compromisso com o patrimônio ferroviário. A estação voltará a ser operacional, um espaço com atividades ferroviárias, no controle do tráfego de composições, e também terá espaço para atividades educacionais. Nossa expectativa é poder apoiar mais ações de restauro ao longo dos próximos anos”, afirma o gerente geral de Relações Institucionais SP da MRS Logística, José Roberto Lourenço.
“Participar da requalificação e restauro da Estação Ferroviária de Campo Grande foi uma grande honra. Hoje, com a obra concluída, ver a unicidade estilística restaurada e a nova funcionalidade empregada, significa que conseguimos dar um primeiro e importante passo para a preservação da memória ferroviária”, comemora a arquiteta Fabiula Domingues, responsável pela coordenação da obra de restauro. O projeto, elaborado pelo arquiteto Laerte Gonzalez com obra executada pela Anwal Engenharia, foi referenciado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Restauro cuidadoso – Com telhado, piso, janelas, portas, instalações elétricas e hidráulicas totalmente refeitos, a Estação Ferroviária de Campo Grande restaurada é um novo patrimônio para a cultura nacional. No início de 2020, a estação encontrava-se inacessível e corria o risco de desabar, com grande quantidade de vegetação, umidade, sujeira e microrganismos (como fungos e bolores) causadores de doenças. Na recuperação do local, a limpeza foi imprescindível para que fosse possível visualizar os danos e tomar as providencias de restauro, garantindo a estabilidade das paredes e a melhora na qualidade do ar.
Por meio de minuciosa atividade manual, de limpeza e restauro, o projeto recuperou todos os elementos históricos possíveis da arquitetura original. Cerca de 2.000 telhas, fabricadas no século XIX pelas famosas olarias francesas de St. Henry Marseille, foram limpas e testadas quanto à absorção antes de retornarem à cobertura. Todo material de demolição remanescente da obra foi doado à Prefeitura de Santo André e dois tijolos ao Museu do Tijolo.
Com a marca SPR, da Cia. São Paulo Railway, respiradores de ferro, utilizados para a troca de ar perto do chão, foram recuperados e três réplicas foram construídas para os vãos onde eles estavam faltando. Todas as janelas de madeira pinho de riga, que tinham sido destruídas, foram refeitas com madeira de lei cedrorana, no modelo inglês guilhotina. O piso de madeira, que também não havia resistido ao tempo, foi reconstruído em garapeira, madeira de alta resistência, muito conhecida como garapa ou grapiá. O forro seguiu o desenho original com réguas de madeira formando o desenho saia-camisa moldado com um rodateto.
O telhado da marquise da estação, na plataforma de embarque e desembarque, foi totalmente reconstruído. Os arquitetos reproduziram o desenho da estrutura original por meio de levantamento cadastral e iconografia (imagens antigas). Até os detalhes da decoração da marquise tiveram de ser refeitos. Foram fabricados novos pináculos invertidos de madeira, que têm esse nome porque ficam de cabeça para baixo e lembram pinhos pendurados
Atividades online – Durante a execução da obra, também foram oferecidas atividades educativas online, organizadas por Doutores e Mestres integrantes da Repep (Rede Paulista de Educação Patrimonial). O resultado desses encontros e estudos resultaram no Inventário Participativo do Patrimônio Cultural. Elaborado pelos pesquisadores, este documento foi disponibilizado à população e às Prefeituras Municipais e reúne informações sobre os mais de 130 anos de história do prédio da Estação Ferroviária de Campo Grande e da região onde está localizado.
Com formação multidisciplinar em arquitetura, antropologia, geografia e história na USP, Unicamp, Unesp e PUC-SP, os profissionais trabalharam sob coordenação do Mestre em Antropologia Social pela USP Carlos Eduardo Gimenes e da Arquiteta e Urbanista Ana Paula Soida.
A equipe organizou dois encontros online voltados para interessados nas áreas de cultura, educação e, em especial, a agentes culturais, professores estudantes e moradores dos municípios de Santo André e Rio Grande da Serra, que trataram dos temas história e preservação. As lives ‘A importância da Educação Patrimonial em obras de restauro’ e ‘Inventário Participativo em obras de restauro’ incentivaram a difusão e a preservação da memória, por meio do patrimônio histórico.
Curiosidades – A São Paulo Railway foi a primeira estrada de ferro construída no estado, entre os anos de 1860 e 1867, por investidores ingleses. Os trens levavam passageiros e mercadorias do litoral, em Santos, ao interior, passando por várias cidades até o ponto final na capital paulista.
Construída inicialmente para ser uma parada de manutenção dos trens que faziam o transporte da madeira extraída na região de Paranapiacaba, a Estação Ferroviária de Campo Grande foi ganhando importância e passou a ser usada para embarque e desembarque de pessoas e também para o carregamento de lenha e carvão.
A Estação Ferroviária de Campo Grande foi construída com materiais importados. Pesando quase 3 kg cada uma, milhares de telhas da olaria St. Henry Marseille viajaram da França até a cidade de Santo André para cobrir o edifício.
O período do reinado da Rainha Vitória (1837-1901), na Inglaterra, influenciou a construção da Estação Ferroviária de Campo Grande. Seguindo o estilo vitoriano, o projeto original do edifício inclui grandes janelas na fachada de tijolos aparentes.
As janelas do modelo guilhotina são atribuídas ao inventor britânico Robert Hooke (1635 -1703) e eram comuns em prédios dos estilos Georgianos (reinados de George I, II, III e IV de 1714 até cerca de 1830) e Vitorianos (reinado da Rainha Vitória de 1837 a 1901).
Descobrir a cor das paredes, por meio de prospecções pictóricas, era um desafio para recuperação do local. Foi preciso raspar cuidadosamente as quatro camadas que cobriam a primeira pintura, cor de areia, e analisar a composição da argamassa histórica.