Artigo: Uma droga chamada DEJEM

A famigerada “droga” conhecida como DEJEM (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar) foi sintetizada nos laboratórios malignos do PSDB paulista em 2013 com a ajuda da sempre prestativa Polícia Militar, e surgiu como solução para dois problemas que estavam – e ainda estão – “matando” a segurança pública do Estado: os baixos salários dos policiais e a falta de efetivo.

Longe de ser original, é derivada de outra “droga” chamada DELEGADA. Essa fora produzida por laboratório parceiro do PSDB, também com a ajuda da Polícia Militar, para atacar um problema que era do município de São Paulo: a falta de efetivo para fiscalizar o código de posturas. A ideia era “contratar” policiais militares em seus horários de folga para que atuassem nos serviços municipais, remunerando-os diretamente, por meio de convênio.

O PSDB logo vislumbrou que essa “droga” poderia ser bastante útil, pois, ao contrário do município, o Estado é responsável direto pelo pagamento dos salários da PM. Portanto, ter a oportunidade de “viciar” os policiais em DEJEM seria um grande trunfo no futuro.

Os cientistas da PM, que sempre trabalham visando ao bem-estar da população, não se aperceberam desse efeito colateral terrível, que era a dependência do valor pago pelo Estado, tampouco de que isso seria, num futuro próximo, um diferencial gigantesco entre o salário do efetivo da ativa e o da reserva.

Mais ainda, não se aperceberam de algo que os malignos cientistas do PSDB já tinham vislumbrado: a própria PM ficaria dependente dessa “droga”. Com o efetivo reduzido, a PM buscaria cada vez mais recursos da DEJEM para alcançar a redução dos índices criminais, de acordo com os patamares estipulados pelo governo.

Vejam o ciclo de dependência se formando: o governo paga mal e não completa o efetivo; os policiais precisam do dinheiro extra e se submetem a trabalhar durante suas folgas para o próprio Estado, que deveria pagá-los bem para exercer essas mesmas funções no horário de serviço; a Polícia Militar não tem efetivo e pede cada vez mais vagas de DEJEM ao Estado para alcançar as reduções nos índices criminais estipuladas pelo governo; o governo estipula índices cada vez mais baixos, fazendo com que a PM necessite de efetivo extra para alcançá-los.

Está criada a dependência!

Muitos dos que defendem a distribuição dessa “droga” afirmam que é melhor obtê-la do Estado do que fazer com que o policial a procure nas ruas, clandestinamente, os bicos de segurança, por exemplo. Até concordo que, usada para momentos agudos, a “droga” é eficaz. Um policial que deseje comprar um bem ou fazer uma viagem de lazer poderia fazer uso da DEJEM até obter o resultado desejado. Ou, a Polícia Militar poderia usar a DEJEM para escalas extras em eventos esporádicos. O que nunca poderia ocorrer é o que vemos hoje, o uso da DEJEM para combater efeitos crônicos, fazendo com que o policial se socorra dela para conseguir colocar comida na mesa, e a Polícia Militar a utilize para realizar o policiamento ostensivo, enquanto o efetivo regularmente escalado realiza escolta de presos, por exemplo.

Hoje, nem a Polícia Militar, nem os policiais militares sobrevivem sem a DEJEM! E o Estado economiza duplamente: não paga salários dignos ao policial e não completa o efetivo da PM. O efeito colateral para o Estado: desgaste físico e emocional dos policiais militares, que leva ao afastamento temporário. Mas até desse efeito o Estado fica livre, pois os cientistas da Polícia Militar deram um jeito de não atingir o governo, criando regras de administração da “droga” DEJEM somente para aqueles que estão aptos ao serviço: ou seja, para poder fazer uso da “droga”, o policial deve estar apto, portanto esconde os efeitos colaterais, que acabam aparecendo somente quando não há mais como tratá-los, causando o afastamento prolongado ou definitivo, o erro de procedimento pelo estresse e, em casos mais graves, o suicídio ou o homicídio.

Essa “droga” é tão perversa que alterou, inclusive, a percepção do que é certo ou errado: antes dela, fazer bico era um ato de indisciplina; hoje é algo gerenciado e estimulado pelo próprio Estado.

Para realizar o “desmame” dessa “droga” seriam necessárias algumas medidas emergenciais:

  • aumento dos salários a um nível que possibilite ao policial militar usar a DEJEM somente em casos específicos e não de forma compulsória, para que consiga sobreviver;
  • reposição real do efetivo, pois o que se vê agora é a reposição do efetivo combinada com o aumento de unidades operacionais voltadas à repressão – os BAEP. O efetivo que deve ser recompletado é o da chamada radiopatrulha, que faz o policiamento ostensivo localizado, exatamente a função em que hoje se emprega grande parte do efetivo da DEJEM.

A pergunta que fica é: interessa ao Governo? A resposta é óbvia: não!

Por que contratar mais, se ele pode  usar as forças que tem, mesmo sabendo que, nesse ritmo, elas irão se exaurir? Por que pagar mais a todo efetivo, inclusive aos da reserva, se pode continuar pagando pouco e “comprando” o horário de folga do efetivo da ativa, já “viciado” em DEJEM, não importando o que essa prática gerará aos seres humanos que estão sendo literalmente usados?

O efeito da ”droga” é tão eficaz para o governo, que ele oferece a seus dependentes “drogas” similares, de outros fornecedores. Assim, temos outras propostas de DEJEM: do judiciário, da CPTM, da Educação…

E, para comprovar que o governo não precisa se preocupar com isso atualmente, é só observar que os índices criminais caem mês a mês. Ou seja, os cientistas da Polícia Militar estão conseguindo fazer com que os “viciados” em DEJEM continuem trabalhando.

Talvez, se o caos se instalasse em São Paulo, o governo pensasse diferente. Mas isso, os cientistas da Polícia Militar nunca vão deixar acontecer! Portanto, continuaremos vendo policiais militares “DEJEM-dependentes” nas ruas. Eles são fáceis de ser identificados: geralmente estão de coletes refletivos, com olhar perdido ao longe, a fisionomia cansada e visivelmente estressados.

Por Ernesto Puglia Neto (Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo /Secretário-geral da Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar)

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