Onde estão nossas praças?

“Praça. Área urbana arborizada e/ou ajardinada, frequentemente com bancos, chafarizes, coreto etc., para descanso e lazer; jardim público”.

A definição do dicionário Houaiss deveria servir para qualquer cidade, mas, no caso específico de Ribeirão Pires, a situação é bem diferente. A partir da inquietude de alguns munícipes que têm reclamado das intervenções a que os espaços públicos foram submetidos, resolvemos visitar as praças da região central da cidade e o que constatamos mostra que o dicionário, neste caso, está com a definição distorcida.

Desenhando uma circunferência imaginária que cobre a região do Centro até a Vila Aurora, temos, considerando a antiga rodoviária, oficialmente 14 praças: Praça Emma Botacin (Em frente ao Carlos Rohm), Vitória Ballarine Prisco (Final da Stella Bruna Cecchi Nardelli), Praça Sabará, Praça Central, Paço Municipal, antiga rodoviária, Praça 45°, Praça Nemetaia Chiedde (entre a Nova Rodoviária e a Estação de Trem), Praça Hermenegildo Baldi (Ponto de Pedra), Praça da Matriz, Praça José Elias Fernandes (da Maçonaria), Praça Delza Amaral Fonseca (esquina entre as ruas Candido Mota e Caxambu), Praça Francisco Redivo/Aurora (cruzamento entre as ruas Caxambu, Paes Leme e Julio de Castilho) e a Praça Ramos de Azevedo. Destas, apenas quatro não “foram agraciadas” com quiosques ou estruturas de concreto, alvo das reclamações dos munícipes e gera uma situação inusitada: como uma cidade turística não tem praças onde as pessoas possam simplesmente descansar, observar ou simplesmente conviver?

As intocadas – Começamos nosso tour então pelas praças que não receberam a “concretagem”. A primeira delas, na Vila Aurora, é a Delza Amaral Fonseca. Trata-se de uma estrutura triangular, que conta com um jardim e uma grande árvore que, aliás, foi alvo de reclamação de um munícipe durante nossa visita. Ele questionou o fato de a Prefeitura ter prometido fazer uma espécie de passagem por trás da arvore que lá existe. “Há anos estamos esperando”, afirmou o munícipe.

A 100 metros dali, temos a Praça Aurora, que também conhecida por Francisco Redivo. Esta, de fato, tem “cara” de praça, um espaço de convivência com espaço para descanso e lazer, como diz o livro de Antonio Houaiss. O problema ali é outro: mato alto, bancos em mau estado de conservação e um quê de abandono. Uma senhora, moradora da região, também tem outra reclamação: “é preciso iluminar melhor, pois fica perigoso à noite”.

No Centro Novo, temos a Praça Vitória Ballarine Prisco, quase perdida no meio dos prédios. Houve um tempo em que o local abrigou até brinquedos infantis, mas hoje há um jardim que carece atenção e, verdade seja dita, não é convidativo à visitação. Em frente a escola Carlos Rohm há a praça Emma Bottacin, que apresenta bom estado de conservação e que, no momento da visita, contava com alguns pais de alunos do colégio e também parentes de pacientes internados no Hospital São Lucas. “Gosto daqui, é um lugar interessante para passar um tempo”, afirmou Sérgio Santos.

Mas, como o que deveria ser regra virou exceção, vamos às outras praças da cidade.

As alteradas – Nas outras dez praças visitadas, as reclamações são várias, mas a mais contumaz é em relação a falta de espaços de convivência. Comecemos pela Praça Ramos de Azevedo, na Vila Aurora. O que outrora foi o principal ponto de encontro e lazer do bairro, hoje anda abandonado pelo público. Recentemente, foi feita uma reforma que implantou uma academia a céu aberto em seu centro e uma nova iluminação, que trocou um poste de luz por holofotes. “As luzes da praça vivem apagadas. Há uma série de pessoas que vêm a noite e os apagam para fazer sei lá o que”, afirmou uma munícipe que passava pelo local. Relatos recentes dão conta de que a praça tem sido frequentada por usuários de drogas que descobriram o local onde fica a caixa de disjuntores que controla a iluminação e a deixam apagada. Diga-se de passagem, não é raro ver pessoas evitando passar pela praça, com medo dos “amigos do alheio”, um triste fim para um local onde, aos fins de tarde, era comum ver as crianças do bairro brincando. “A academia, da forma que foi feita, deixou a praça vazia”, afirmou a munícipe Solange da Silva. Um dos equipamentos, aliás, foi furtado, sobrando apenas os parafusos e parte da sustentação original, sem falar no mato, que está alto.

No Centro, temos as Praças Nemetaia Chiedde e Hermenegildo Baldi, que ficam próximas. Na primeira, que liga a estação de trem à nova rodoviária, temos, além do terminal ferroviário (que, por sinal, é tombado por seu valor histórico, junto com a escadaria e a antiga loja de doces), o Atende Fácil. Verdade seja dita, é um equipamento útil à população, mas por um bom tempo pôde ser classificado como “elefante branco”, já que foi erguido ser ter uma destinação exata. Houve quem dissesse que seria uma sede de mais pontos de comércio informal, mas isso acabou por não se confirmar. Do outro lado da cancela, a Hermenegildo Baldi abriga o famoso “Ponto de Pedra”, mas não escapou de sua quota de intervenções, com a instalação de lajotas vazadas de concreto sobre o jardim.

Já na Praça da Matriz, as intervenções foram feitas no espaço onde antes estava o banheiro público, sob a chamada “Meia-Lua”. O local ganhou uma reedição do antigo coreto e uma estrutura que chegou a ser ocupada por uma lanchonete, mas hoje ostenta logos da Guarda Civil e tem sido usado como espaço para jogos de dominó entre alguns frequentadores.

A Praça Sabará, alvo de polêmica recente, já que os moradores receberam com repúdio a chegada de um banco e de obras de arte lá instaladas. À época, a moradora Ana Maria Pereira, protestou, afirmando que a Prefeitura fez a intervenção sem consultar os moradores: “Para nós que vivemos há anos aqui, o pinheiro que eles querem tirar é mais importante do que uma estátua”. Outra moradora, Alda dos Santos que mora há mais de 30 anos no local, completa: “Faz tempo que estamos pedindo para darem atenção para a praça, ela está sendo tomada por mato. Aí ao invés de cuidarem disso, eles vêem e querem colocar essas coisas”, afirma se referindo as obras de arte. Mas essas ainda foram mudanças “discretas”, se comparadas às dos espaços a seguir.

Os arremedos – As intervenções mais radicais ficaram para os espaços mais nobres, lembrando que, coincidência ou não, ficam em que, para comerciantes, poderiam valer ouro. Mas, em se falando do alvo da matéria, os espaços públicos – independente de serem ou não geradores de empregos – o que temos são apenas arremedos.

A Praça José Elias Fernandes, que fica no encontro entre a Avenida Santo André e as ruas Olímpia Catta Preta e Maria Augusta Cruciani era notória pela escultura que lembra os pilares da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ou, ao menos, lembravam, já que ficaram escondidos por detrás dos quiosques que, a despeito de oferecerem serviços, como chaveiro e venda de ervas medicinais, descaracterizaram totalmente o espaço que em quase nada lembra uma praça.

A descaracterização prossegue no espaço onde estava a Antiga Rodoviária. Esse, de fato, não fazia parte de uma praça propriamente dita, mas já vinha sido usada como tal, com a feira de quinta-feira e, inclusive, o Desfile Cívico em 19 de março. Segundo a Prefeitura, “o espaço da antiga rodoviária é objeto de duas concessões onerosas de
uso real, ambas devidamente aprovadas pela Câmara Municipal por meio da
lei 5.602/2011 e licitadas de acordo com as determinações legais. A primeira teve seu processo concluído em 13 de março de 2012 e destina-se à instalação de restaurante tipo fast food”, no caso o Habib’s. “A segunda teve seu processo concluído em 27 de setembro de 2012 e destina-se a instalação de comércio de roupas, calçados, artigos
esportivos e acessórios em geral”, no caso outra loja da Di Gaspi Calçados, que hoje se localiza onde era a antiga Babush. Há a expectativa de que outras empresas ocupem o restante do espaço que viraria uma espécie de “mini-shopping a céu aberto”.

Perto dali, temos a Vila do Doce. Originalmente, o local era ocupado por uma loja de carros, a Anésio Veículos e tinha uma rua passando por trás. Hoje, temos um bloco de quiosques que vendem alimentos, ironicamente em sua maioria salgados. É uma estrutura interessante, mas que teve como efeito colateral a redução do espaço original de convivência a cerca de 10% do original. Hoje, temos a Praça Central (que, por sinal, tem outro quiosque) mais ocupada do que os comércios na maior parte do tempo. Aliás, do outro lado, também há uma estrutura grande, um palco com arquibancada de alvenaria, que, ao lado de mais quiosques, ocupou praticamente todo o espaço. Aos munícipes sobrou um arremedo de praça cuja maior ocupação em relação ao resto é um caso a ser estudado.

O Paço Municipal, por sua vez, teve o Jardim Japonês remodelado, mas a outra parte foi ocupada por dois prédios, um que abriga estruturas municipais e outro que será o famoso “relógio suíço” e que, em sua parte inferior, abrigará o Centro Histórico – ainda que ao custo de diversas árvores que “sumiram” do local.

Falando em sumiço de árvores, vamos usá-las para falar da intervenção mais chocante, que é o muro da Praça 45°, já apelidado de “Muro da Vergonha”, por alguns que se opõem a sua realização. Fora o fim da rua, o espaço negociado recentemente pela Prefeitura ainda conta com seis árvores no interior murado que, muito provavelmente, irão “sumir” em breve – e sem compensação ambiental. Mais do que o fim de um espaço de convivência, simboliza perfeitamente o que queremos exemplificar, que é a população de Ribeirão Pires, uma cidade turística, sem opções de lazer. Há diversos exemplos próximos, como Águas de Lindóia, por exemplo, cuja praça principal é o maior atrativo para os turistas. É algo a se pensar. É bom viver aqui, mas poderia ser melhor…

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