Caro cidadão Luís da Silva:
Como você está se sentindo agora que retornou à planície? Na verdade apenas trocou de planalto – para o Paulista. É duro ficar ocioso. Permanecer em casa o dia inteiro é uma coisa enfadonha. Ainda mais quando não se tem o hábito da leitura.
A sua mulher não deve estar gostando nem um pouco dessa situação. A presença constante dos maridos no lar, como se sabe, perturba o andamento das lides domésticas.
Problemas financeiros, ao que parece, você não tem. Como é sabido, os seus antigos amigos – com grande desprendimento – cuidam de te prover de tudo. Mas haja tédio. Além da insegurança quanto ao futuro, essa condição abala a autoestima das pessoas.
Quase todos os governantes – enquanto estão no comando – acreditam que vão tirar de letra. E – quando seus mandatos terminam – caem em depressão.
São poucos os que te visitam na sua casa e são raros os que ainda te telefonam.
E se, de repente, você ouvir ruídos na porta?
Não se preocupe. São apenas folhas secas levadas pelo vento.
Por que você não telefona para a nova intendente? Ela, por enquanto, ainda vai te atender. Anotará, atenciosamente, as suas recomendações e, depois, fará tudo diferente. Não fique aborrecido. Já está muito bom. Pior vai ser quando ela trocar os telefones e não te comunicar os novos números.
“A companheira tem muito que fazer” – deduzirá você. Procurará, então, deixar um recado com a secretária dela. Impossível. Virá à linha uma assessora, com voz impessoal, para te dizer que, no momento, a secretária da chefa não pode atender.
“Por quê?”
“Ela está ‘em reunião’. Daria para o senhor me adiantar o assunto?”
“O que é isso, companheira?! Aqui quem fala é o presidente!”
“Qual deles? Têm tantos…”.
“Eu, é claro!”
“Ah! Eu acho que estou reconhecendo a sua voz. ‘ Você’ não é aquele senhor sexagenário, que desceu a rampa no dia do réveillon?”
“Sou! Veja aí, no caderno de ‘autoridades’ que deve estar em sua mesa!”
“Não vai dar não. A agenda que tem aqui é antiga, do ano passado.”
“Então eu vou pessoalmente até aí, amanhã!”
“Pode vir. O problema é que a porta que dá na rampa fica trancada durante a semana. Venha no domingo, que fica aberto para visitação.”
Você, enraivecido, desliga o telefone. Vai abordar a ‘companheira-em chefe’ em alguma cerimônia pública. Isso se os seguranças dela permitirem.
Por falar nisso, cidadão, por que você faltou ao almoço em homenagem àqueles americanos que estavam aqui, de férias? Sua ausência não pegou bem. Deu a impressão de que não gosta dos gringos. Ou então, que não vai a festas onde os holofotes não estão sobre você.
Todos os seus antigos colegas foram. E olha que muitos deles, apesar de aposentados, ainda estão na ativa. Ficou feio, para você.
Mudando de assunto, você pretende voltar ao serviço? Eu estou te perguntando isto porque, se você tem essa intenção, o grande problema é que a senhora sua sucessora, vai querer renovar o contrato. E, nesse cargo, só cabe um.
Em outras palavras, o que ocorre é o seguinte: para você se dar bem, ela tem que se dar mal. E vice-versa. Entendeu, agora, porque ela não segue os seus conselhos?
A gente não tem ainda uma imagem clara de como será a sua gestão. Ela tem aparecido pouco, mas dizem que é competente. Ou seja, o contrário de você.
Ao menos, para o paladar das “zelites”, ela é muito melhor do que você e a sua “companheirada”. As “zelites” somos todos nós que lemos jornais. Eu daria a isso outro nome: opinião pública bem informada.
Bem, para que a gente não brigue, vamos falar de outras coisas. O que é que você pretende fazer da vida, por enquanto?
Pelo o que corre por aí, ora você pretende montar um instituto, ora você se oferece para atuar em algum órgão internacional. Você mesmo já declarou que pretende passar o ano inteiro percorrendo o Brasil para provar que nunca houve corrupção na sua gestão.
Já ouvi também que o seu “sonho de consumo” é ser eleito como secretário-geral da Organização das Nações Unidas. O pessoal de lá, diplomaticamente, já mandou te avisar que não vai dar. O titular desse cargo – alegam eles – é eleito pelo critério de rodízio entre os continentes. A nossa vez já passou.
Como isso não será possível, fala-se por aí que você aceitaria um posto menor: iria morar em Roma e trabalhar na FAO – Organização das Nações para Agricultura e Alimentação.
A ideia, nesse caso, seria a de levar aos desvalidos do mundo – principalmente da África – a sua tecnologia de “combate à fome”. Por acaso você pretende ressuscitar o finado “Fome Zero”? Ou vai propor a eles algum tipo de bolsa família? Cuidado para não ser acusado de plágio. Ao que eu saiba, não foi você que criou. Você apenas pegou alguns programas que já existiam e tratou de juntá-los em um só.
Aliás, por falar nisso, onde é que anda o Amorim? Alguém falou que ele iria trabalhar com você, no “Instituto”. E também ouvi que ele está ainda indeciso entre outras três propostas internacionais de emprego: da Bolívia, da Venezuela e do Irã.
Outro dia pude ler aqui, no jornal, uma justificativa sua por não ter comparecido ao banquete de Brasília: você não queria ofuscar a sua sucessora.
Você ainda não entendeu que fora do poder – e não sendo mais novidade – aquilo que faz não é mais notícia.
Como dizem os árabes:
“Uma mosca escura, numa mesa escura, numa noite escura: somente Deus a vê.”
Cidadão Luís Inácio, é melhor você aprender a rezar.
João Mellão Neto é jornalista.
Foi deputado estadual, federal, secretário e ministro de Estado.
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