Artigo: Lua Oliveira, a artista que pintou a própria história com coragem e spray

Enviado por Rafael Marques. Escritor, pedagogo, filósofo e Psicanalista. Especialista em Educação Especial, História da cultura Afro, Literatura e Terapeuta Ocupacional na saúde mental.

Em uma cidade onde a arte urbana muitas vezes disputa espaço com o concreto e o cotidiano apressado, o nome de Lua Oliveira surge como um traço forte e colorido nos muros, escadarias e corações. Sua trajetória é, antes de tudo, um testemunho de resistência, perseverança e transformação através da arte.

Lua começou cedo. Ainda criança, por volta dos 10 anos, já frequentava aulas de desenho e pintura a óleo em tela. Durante toda a adolescência, manteve o contato com as artes, aprofundando suas técnicas em diferentes instituições. Após terminar o ensino médio, ingressou na tradicional Escola Pan-Americana de Arte, em São Paulo, onde estudou artes plásticas e história da arte. Mas foi fora das salas de aula, nas ruas e nos encontros de grafite, que Lua encontrou sua verdadeira expressão artística. Em 2012, ela começou a se envolver com o grafite, uma arte que, segundo ela, não era ensinada nos cursos formais, mas que falava diretamente com seu espírito criativo. Desde então, Lua tem utilizado a arte urbana não apenas como uma ferramenta de expressão, mas como um meio de transformação social e pessoal.

Durante a pandemia, Lua precisou se reinventar. Grávida, decidiu abrir um ateliê para manter-se ativa e, ao mesmo tempo, proteger-se. Foi um período de introspecção e produção intensa, onde ela criou diversas telas, buscando canalizar a ansiedade daquele momento incerto em arte. Em 2021, quando a situação começou a se estabilizar, ela decidiu dar um passo importante: realizar sua primeira exposição. Escolheu um bar localizado perto do Fórum, em Ribeirão Pires, cujo nome ficou perdido na memória, mas cuja importância permanece viva. Com apoio de amigos, organizou tudo e expôs suas obras. No entanto, no dia da inauguração, apenas cinco pessoas compareceram. “Foi meu pai, minha mãe, meu marido, uma amiga e o pai dela”, lembra. A frustração foi inevitável, mas Lua não deixou que o desânimo a paralisasse. “Pensei comigo mesma: tudo bem. Foi aquela experiência. Mas daqui uns anos eu ia estar melhor.”

E o tempo, de fato, passou — e trouxe com ele novas oportunidades. Um ponto de virada em sua carreira aconteceu de maneira quase cinematográfica. Lua participou de uma feira de arte no Paço Municipal e decidiu levar suas obras produzidas durante a pandemia. Lá, teve um encontro inesperado com Guto, novo integrante da gestão municipal, conhecido por sua admiração por arte urbana. “Ele chegou e perguntou se eu era artista da cidade. Eu falei que sim. Ele respondeu: ‘Então vem aqui’. Era um domingo, a prefeitura estava fechada. Mas ele abriu só para me mostrar uma escadaria e perguntou se eu queria pintar. Eu disse que queria. Ele me pediu um projeto e orçamento. Fiz, ele aprovou e eu pintei.”

Esse convite abriu portas — e muros — para Lua. A partir dali ela foi chamada para realizar diversos trabalhos: murais na rodoviária, duas areninhas esportivas, uma UBS, obras no gabinete municipal e mais. A cidade de Ribeirão Pires passou a respirar um pouco mais de Lua a cada mural concluído.

Além dos murais, Lua também se envolveu com a EMARP, onde escreveu e aprovou um projeto para ministrar oficinas de grafite. Não era a primeira vez que ela ensinava: em 2014, participou de um projeto federal e deu aulas de grafite para crianças e adolescentes de uma escola em Ribeirão Pires. No entanto, na EMARP, o projeto foi todo dela — da concepção à execução. A oficina foi bem recebida, com promessas de continuidade, e reafirmou outro lado importante da artista: o de educadora. Para Lua, transmitir o conhecimento da arte urbana é mais do que ensinar técnica — é abrir horizontes.

Com o passar do tempo, Lua se uniu ao coletivo CARP, voltou a produzir telas — algo que havia deixado de lado desde o fim da pandemia — e participou de eventos diversos. Mas foi em 2025 que colheu os frutos mais simbólicos de sua jornada: sua primeira exposição solo oficial, intitulada “O Mundo da Lua”, realizada na Biblioteca da cidade, uma extensão da Pinacoteca. Desta vez, o público respondeu. Aproximadamente 40 pessoas assinaram o livro de presença, e Lua acredita que outras, que não assinaram, também passaram por lá. “Já foi diferente de cinco pessoas”, conta, emocionada. Para ela, essa exposição representou a virada que, há cinco anos, ela sonhava alcançar.

Hoje, Lua vive da arte. Seus rendimentos vêm dos murais, das vendas de quadros, das exposições, dos eventos e até de leilões. O que um dia foi motivo de incerteza, tornou-se seu ganha-pão — e sua missão. “Naquele dia em que ninguém apareceu na minha exposição, eu pensei que um dia ia ser diferente. E realmente foi. Hoje é muito melhor, e espero só crescer a partir daqui.”

Lua Oliveira é um exemplo de como a arte, mesmo nas margens ou no silêncio, pode florescer. Suas obras não estão apenas nos museus ou nas galerias: elas vivem nas ruas, nos bairros, nos espaços públicos que ela ajudou a transformar. Sua trajetória mistura luta, talento e persistência. E como toda boa artista, ela não apenas pinta o mundo ao seu redor — ela o reinventa.

Acompanhe a artista pelo www.instagram.com/luoliveiraart

 

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