Caretice generalizada

Na última semana, causou polêmica a mais nova das proibições emitidas que pode ser implantada na cidade de São Paulo, a da distribuição de alimentos a moradores de rua, pessoas em estado de vulnerabilidade social, sob o pretexto de que todos, sem exceção, devem se dirigir a um dos nove albergues mantidos pela Administração da Capital caso queiram ajuda. A mesma regra também estabeleceria punições às entidades que o fizessem, sob risco de sanções administrativas graves em caso de não cumprimento.

Se por um lado, a Vigilância Sanitária afirma que a prática pode “sujar a via pública”, o que é uma meia-verdade, por outro os defensores da ajuda questionam a falta de tato para com o próximo e também com o direito à escolha, já que eles têm o direito de não querer ir para os albergues.

Essa é só mais uma das inúmeras proibições que foram implantadas nos últimos anos, desde as mais aceitáveis (dependendo do ponto de vista) até as mais estapafúrdias. Começando pela mais popular delas, temos a Lei Anti-Fumo. Hoje, no Estado de São Paulo, não se fuma em locais cobertos, inclusive toldos. Em que se pese o fator saúde, o empresário que desejar abrir um espaço exclusivo para os fumantes terá que levar sua ideia a outro estado. Aliás, se ele quisesse, teria que achar meios criativos para os anúncios, já que também há, voltando a maior cidade do Brasil, a Lei Cidade Limpa que, além de vetar as propagandas, também o faz com eventuais manifestações de protesto contra a Prefeitura, por exemplo, salvo em caso de autorização que dificilmente seria emitida para este caso.

Dentre as que não contam com o sim popular, estão algumas que seriam cômicas, não fossem trágicas, como o veto ao celular dentro das agências – um endosso à incapacidade de se garantir a segurança do cidadão, ao ovo com gema mole, ao vinagrete na feira, ao cachorro quente nas ruas, bancas de jornal no Centro, à venda de refrigerantes e salgados (mesmo os de massa folhada) em cantinas de escolas, a doação de material reciclável para catadores e até mesmo das bananas por dúzia, bem como o anúncio de ofertas em voz alta nas feiras. Isso sem falar de leis que versam sobre o óbvio como aquela que proíbe urinar nas ruas…

A enorme lista de restrições que diga-se de passagem vêm aumentando assustadoramente ano a ano, deixa no ar um questionamento e uma reflexão sobre o verdadeiro papel do Estado que acaba por assumir um papel de “pai” e não de gestor, como o que deve ser. Será que essa onda de “caretice generalizada”, mesmo considerando que algumas destas regras podem contribuir para uma sociedade melhor, não seria uma forma de tentar moldar o brasileiro, em especial o paulista, ao que ele não é, deixá-lo com uma característica “europeizada”, afastando do brasilianismo, como se isso fosse uma doença, uma coisa ruim? É uma discussão antropológica que deve ser analisada com cuidado, sempre ponderando os lados, para não se cometer injustiças. Em suma: não estamos defendendo a anarquia, mas sim a não banalização das proibições e, principalmente, o direito que os cidadãos têm de aproveitar sua própria cidade.

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