BOM para quem?

Os recentes protestos contra o aumento da tarifa de ônibus realizados em toda a região merecem uma discussão mais ampla a respeito das funções social e moral das empresas privadas que operam os transportes públicos que, são de responsabilidade do Estado.

Estas empresas, da mesma maneira que as de energia elétrica, telefonia e saneamento, são concessões públicas, que nada mais são do que uma permissão para operar setores que deveriam ser geridos pelo Governo, assumindo responsabilidades e riscos em troca dos ganhos que possam advir de seu negócio, operando com qualidade e a um valor justo para o cidadão – ainda que no Brasil, não seja hábito deixar o tal “risco” por conta das empresas que, não raro, recebem ajuda do próprio administração na forma de incentivos fiscais ou subsídios. Isso, aliado ao fato de que os empresários do setor têm por hábito serem “amigos do rei de plantão”, gera uma situação delicada para o maior interessado: o próprio usuário.

Um exemplo desta relação desigual está no Cartão BOM, o “clone privado” do Bilhete Único, administrado pelo Consórcio Metropolitano de Transportes (CMT), uma espécie de “sindicato” dos empresários de ônibus e que complica sobremaneira a vida dos usuários, em especial aqueles que dependem também de trens e metrô, já que só agora ele começa a ser aceito em algumas das estações, obrigando os empresários a pagarem dois tipos de bilhetes diferentes.

Ora, se já há um sistema, o Bilhete Único, que comprovadamente funciona e serve para o mesmo propósito, por que não adotá-lo em toda a rede de transporte coletivo? Há quem diga que a explicação reside nas taxas de recarga que deixam de ir aos cofres públicos, onde poderiam ser revertidas em melhorias para a sociedade, e são divididas entre as empresas. Outros já dizem que, em um futuro próximo, o BOM significaria a extinção do sistema que lhe deu origem (ou seja, “o ovo comendo a galinha”), em uma espécie de “privatização disfarçada” que dará aos empresários plenos poderes sobre as tarifas.

Já está mais do que na hora de rediscutir se vale a pena ter um “estado mínimo” na prestação dos serviços públicos. O mito de que o privado é melhor do que o público já caiu por terra há muito tempo e temos diversos exemplos disso, como a linha 4 do Metrô, operada pela CCR, o sistema de telefonia/internet, da Vivo, a energia elétrica, operada pela AES entre outras, incluindo as próprias empresas de ônibus de São Paulo, que prestam um serviço que beira o tosco. Todas são empresas gigantes, contam com grande capacidade de investimentos, batem recordes de lucros e figuram entre as mais contestadas do país. Em que se pese o dever do Estado em fiscalizá-las (o que não faz a contento), todas têm obrigação de prestar um serviço de qualidade para cidadão. Hoje, a pergunta mais válida é bom para quem? Para o cidadão que não é…

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